sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago

Li pela primeira vez Saramago, por me ver a isso obrigada e, na altura, contrariada: ia ter que o conhecer no ano seguinte - «Memorial do Convento» passaria a ser o livro a dar no novo programa de 12.º. Sucedia a «Aparição». Não podia mais dar a conhecer o existencialismo, falar da ligação à terra e aos filhos de Tomás, da estranheza de Alberto, da loucura de Sofia...Li-o a intervalos regulares, uma hora de semana a semana, enquanto a minha mais nova fazia a sua aula de dança e eu ficava no carro à espera nos fins de tarde amenos de Primavera. Após a estranheza das primeiras páginas, literalmente, devorei-o. Passei a fazê-lo acompanhar-se de um lápis para sublinhar as partes que mais me agradavam, tomar notas das ideias do homem universal, ligado aos outros por uma imensa ternura, a quem ridicularizava nos defeitos, arrogâncias e prepotências e a quem docemente acarinhava na pureza dos sentimentos, das acções, da postura. Enquanto o lia, dava por mim a sorrir, aqui e ali uma pequena gargalhada naquelas passagens mais finamente sarcásticas. Ele é, como o diz numa entrevista a Judite de Sousa, um homem religioso. Não no sentido tradicional, claro está, mas no do sentido de re-ligação aos outros, à terra, ao mundo. Como Siddhartha, de Hermann Hesse, ou o António de «Aparição» a quem Deus não apoquenta pela sua não existência, a paz reside nos outros, na terra – na comunhão que nos une a todos. Curiosamente, deu há pouco na rtp2 um programa da National Geographic – Human Family Tree – todos descendentes do mesmo ascendente genético, todos irmãos como nos diz a Igreja, todos ligados como nos diz Saramago. Concordo. A paz esteja com ele e connosco.