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domingo, 5 de julho de 2009

Nada de novo...

Através do José Luis Sarmento, cheguei a este link que nada diz de novo. Apenas confirma aquilo em que acredito e que mantenho diligentemente aqui no blog no lado direito: in the history of education, no educational model has ever been documented to achieve such positive results with such consistency across so many variable sites as Direct Instruction.
Diz-nos a notícia It should be said that Mr. Willingham, a psychology professor at the University of Virginia, is not in favor of merely making learning "fun" or "creative." He advocates teaching old-fashioned content as the best path to improving a student's reading comprehension and critical thinking. Such a view makes Mr. Willingham something of an iconoclast, since 21st-century educational theory is ruled by concepts like "multiple intelligences" and "learning styles."
É o grande problema que as Ciências da Educação trouxeram para a escola: a visão romântica de que aprender deve ser 'divertido'. De 'diversão' em 'diversão' chegamos à indisciplina crónica e à inevitável incapacidade de concentração necessária para chegar ao thinking abstractly, cansativo e maçador. Depois concluimos que miúdos perfeitamente normais são hiperactivos e habituamo-nos ao 'cada vez aprendem menos' como se fosse normal e cada vez 'exigimos' menos.

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Follow Through

Novo ano, velhas práticas aparentemente mais proveitosas... Post e comentários no blogue do Paulo Guinote a não perder.



(...)
(Pois claro que não...)
I, personally, would not advocate mandating Direct Instruction, even though it was the clear winner. I don't think that mandates work very well. But every educator in the country should know that in the history of education, no educational model has ever been documented to achieve such positive results with such consistency across so many variable sites as Direct Instruction. It never happened before FT, and it hasn't happened since.

domingo, 9 de julho de 2006

O eduquês

De 2003, mas também de 2006 ...

O eduquês e a pedagogia romântica nunca existiram...


por Nuno Crato
Jornal de Letras, Artes e Ideias – 27 de Novembro de 2003



Passa-se entre nós um fenómeno novo. Há um ou dois anos apenas, sempre que num debate sobre educação alguém exprimia alguma ideia contrária à corrente pedagógica dominante, as coisas aqueciam. Bastava que se falasse na necessidade de decorar a tabuada, na importância de aprender a ortografia, no combate à indisciplina, na importância da avaliação ou na necessidade de os alunos saberem meia dúzia de datas históricas. Bastava isso para que imediatamente chovesse um enxame de ataques acesos. Os críticos da pedagogia dominante eram classificados de reaccionários ou conservadores: não percebiam as novas abordagens, queriam voltar ao ensino acrítico e repetitivo...
Subitamente, tudo mudou. Dizem-se hoje as mesmas coisas e não aparece oposição aberta. Há discordâncias num ponto ou noutro. Coisas menores... ninguém afinal defendeu o que se diz que defendeu. As teorias delirantes sobre educação que, durante anos, ouvimos da boca de alguns teóricos da pedagogia romântica, essas teorias nunca foram formuladas... A linguagem esotérica depreciativamente classificada como «eduquês» parece que desapareceu. Pois é... o eduquês nunca existiu!
Os que dizem e mantêm as suas ideias, tanto em momentos favoráveis como desfavoráveis, merecem o maior respeito. Os que pensavam de uma maneira e alteraram o seu pensamento como resultado da reflexão merecem, igualmente, o maior respeito. Já o mesmo não acontece, pelo menos no plano intelectual, com os que defenderam ontem determinadas teses, defendem hoje outras e mantêm que, afinal, sempre tiveram razão. Há responsáveis políticos e teóricos da pedagogia romântica que disseram, por exemplo, que «a avaliação é o braço armado da selecção social (reprodutora das desigualdades)» e que, anos depois, quando os ventos mudaram, passaram a dizer que sempre defenderam o rigor na avaliação. Não devem essas pessoas ser confrontadas com o que disseram?
Há também os que tiveram responsabilidades governamentais e que defenderam, durante anos e anos, que a divulgação dos resultados das escolas oficiais não devia ser feita e que, agora, agora que essa divulgação se tornou norma e é vista como um direito democrático dos cidadãos e das famílias, agora... falam da divulgação dos resultados das escolas como de «um processo que deve ser melhorado». Não será natural que nos espantemos com tanta incoerência?

A CASSETE DO ROMANTISMO PEDAGÓGICO
É evidente que os teóricos da pedagogia romântica, dita progressista ou inovadora, não constituem uma corrente totalmente homogénea. E é evidente que os problemas devem ser discutidos cuidadosamente, ponto a ponto. Pode haver quem pense que se deve decorar a tabuada, mas defenda que não devem existir exames. Tal como pode haver quem condene o regulamento do ‘Big Brother’ nos manuais de português, mas pense que Camões deve regressar ao 10º ano. No entanto, a realidade é que há uma corrente pedagógica que se classifica a si própria como progressista e que, na realidade, é romântica e pós-moderna. E a verdade é que essa corrente teve um peso desmesurado no pensamento e na governação educativa em Portugal nas últimas décadas.
Há traços comuns a esse movimento que, em maior ou menor grau, estão presentes em programas aprovados, em decretos-lei e no discurso de muitos teóricos da pedagogia, alguns com papel preponderante em várias universidades e escolas superiores de educação. Será preciso fazer citações dos manuais usados para ensinar futuros professores? Será preciso reler alguns decretos-lei e discursos oficiais, repletos de uma confusa terminologia pós-moderna? Será preciso citar extractos dessa tristemente vaga cartilha ideológica sectária que é o «Currículo Nacional do Ensino Básico — Competências Essenciais» de 2001?
O epíteto de «romântico», não é derivado da falta de senso, apesar de muitos representantes dessa corrente defenderem ideias lunáticas, tais como as que citámos abundantemente em anterior artigo publicado neste jornal («A pedagogia romântica e a falta de senso», 1 de Outubro de 2003). Relembramos apenas aqui uma dessas ideias românticas extravagantes que uma professora de pedagogia, defensora confessa dos programas de matemática instituídos pelos românticos, escreveu e publicou em livro usado para ensinar futuros professores: «os conceitos matemáticos se desenvolvem espontaneamente nas crianças, não havendo necessidade de serem ensinados». Espantoso, não é? Posso citar a autora, o manual, a edição e a página. Mas valerá a pena?
Apesar destes dislates lunáticos, é por razões ideológicas que o epíteto romântico se aplica com propriedade a esta corrente. Permitam-me citar alguns conhecidos filósofos contemporâneos. Comecemos por Simon Blackburn, no seu “Dicionário de Filosofia”: «Romantismo. Movimento que varreu a Europa e daí a cultura americana [...] acima de tudo a elevação da natureza e do sentimento acima da civilização e do intelecto de acordo com Rousseau [...] predominância do subjectivo, do imaginativo e de emocional [... defesa da ideia da] espontânea inocência da criança corrompida pela separação intelectual com a natureza» (tradução minha a partir da edição inglesa, Oxford, 1994; existe tradução portuguesa da Gradiva, a que não tenho de momento acesso).
Mario Bunge, no seu “Philosophical Dictionary” (Prometheus, 2003), é ainda mais claro: «Romantismo. O movimento cultural complexo que começou com Vico e Rousseau e culminou com Hegel. Progressivo na arte, retrógrado na filosofia e ambivalente em política. Características principais: irracionalismo, obscuridade, holismo, desregramento, subjectivismo, fantástico, excessivo, nostálgico, desejo de associar a história natural (e não a ciência) com filosofia, religião e arte.»

ROUSSEAU EM VERSÃO ‘BIG BROTHER’
Não é só a influência de Rousseau entre os pedagogos ditos progressistas que os associa ao romantismo (como corrente intelectual e não estética, claro). São muitas outras das suas características «retrógradas na filosofia»: o repúdio pela tradição racionalista crítica, o desprezo pela cultura clássica, a defesa do predomínio da natureza e o apelo à espontaneidade em detrimento do intelectualismo e da valorização de conhecimentos.
Atentemos, por exemplo, no recente debate sobre a introdução do regulamento do ‘Big Brother’ em manuais de português. Pouca gente o disse, mas essa escolha tem fundamento na pedagogia romântica e foi por isso que vários elementos dessa corrente ficaram tão pouco à vontade no debate levantado por esse episódio incómodo. A introdução desse texto tem perfeito cabimento na filosofia que presidiu aos novos programas. A direcção da Associação de Professores de Português emitiu na altura um parecer público que muitos gostariam que hoje estivesse esquecido. Nesse parecer saudavam-se os programas do secundário pela «redução e flexibilização do corpus literário», nomeadamente pelo facto de ter deixado «de ser obrigatória a abordagem de textos de Gil Vicente, Bocage e Cesário Verde», sendo «dada a possibilidade de selecção de textos de acordo com os interesses e necessidades dos alunos». O parecer é muito claro, saúda «a redução do corpus» por permitir «o trabalho com uma grande diversidade de textos não-literários» (APP, Setembro de 2001).
É o romantismo anti-intelectual no seu melhor. Por um lado, a crença lunática no poder atraente do regulamento do ‘Big Brother’ e de textos similares para o posterior ensino do português (alguém acredita que são esses textos que despertam nos alunos o gosto pela leitura?). Por outro lado, a ideia romântica de que é preciso partir sempre dos interesses imediatos dos alunos, da sua «natureza» rousseauniana em versão pimba, e que esses interesses seriam ponto de passagem obrigatório, sem o qual não valeria a pena tentar o ensino da literatura.
Tudo aparece colocado de pernas para o ar. Para a aprendizagem do português são importantes os textos clássicos e a boa literatura, não só literária ou ficcional no sentido estrito, mas também ensaísta, narrativa e mesmo jornalística. Abundam aí textos de uma simplicidade que roça o elementar, mas que têm a dignidade da grande escrita. E a aprendizagem do bom português possibilita aos alunos a posterior abordagem e compreensão de «uma grande diversidade de textos não-literários». Essa deve ser a perspectiva da escola: chamar os alunos, antes de tudo, ao nosso património cultural. Há ou não há aqui duas perspectivas diferentes?

DO DISLATE À BANALIDADE
O drama da pedagogia romântica é que as suas afirmações inovadoras estão erradas e as suas afirmações verdadeiras são banais. Quando, pretendendo-se ser interessante e inovador, se diz, por exemplo, que é necessário «adaptar a matemática aos interesses dos alunos», está-se a proferir uma frase desprovida de sentido, conducente à fragmentação do conhecimento e desculpabilizante do insucesso. Quando se justifica esta frase dizendo que os alunos «aprendem melhor aquilo por que se interessam», está-se a dizer uma banalidade. Os alunos interessam-se pelo que se interessam... Até aí estamos todos de acordo.
Da matemática à escrita, o panorama é semelhante. Quando se defende que a leitura tem de começar pela escrita, está-se a produzir uma afirmação contestada pela psicologia experimental e claramente contrária à ordem lógica das coisas. Será isso mesmo que se quer dizer? Essa ideia pode ser inovadora e interessante, mas está errada. Se, pelo contrário, se defende apenas que a escrita ocupa um lugar central e que esta se deve articular com a leitura reforçando-se mutuamente as duas práticas, está-se a granjear um consenso e marcar uma distância em relação ao dogmatismo da pedagogia romântica.
Não terá chegado o tempo de sacudirmos o jugo do dogmatismo pedagógico e de encararmos as realidades do ensino sem os preconceitos românticos retrógrados? Há muita gente, provinda de lados diferentes, que pensa que sim. Seria bom que assim fosse e que se pudesse caminhar para práticas de ensino temperadas pela experiência e pelo bom senso.

terça-feira, 4 de julho de 2006

Santana Castilho

A insuperável incapacidade da ministra da Educação

Não é a primeira vez que me interpelam questionando-me assim: mas será que não encontras uma só coisa positiva na actividade da ministra da Educação, de forma a que não digas sempre mal do que ela faz? A crónica de hoje é uma pequeníssima parte escrita do que respondi, em amena conversa, ao último interpelante, um amigo, velho militante do PS, economista, aterrorizado pelo eventual homicídio da República às mãos do défice, recém-convertido, por essa paranóia, ao neoliberalismo selvagem.
De facto, não encontro uma só coisa que me mereça aprovação, o que não significa que discorde, a montante, de todas as intervenções havidas. Como assim? É que as que em simples propositura me dariam bem, são, a jusante, irremediavelmente destruídas pelos processos escolhidos.
A ministra não tem, conceptualmente, estrutura para discursar sobre os problemas em que pretende intervir. É confrangedor verificar, sempre que procura argumentos, a inconsistência das opiniões que emite como se fossem factos. Do que vai dizendo, retira-se o desconhecimento constante dos conceitos a que alude. Mas, sobretudo, está possuída por um sentimento obsessivo, próximo do ódio aos professores, que dela exala de cada vez que se lhes refere. Superficializa ou generaliza indevidamente, estragando sempre tudo. É uma catástrofe! Vão alguns exemplos:

1. Centrar nos docentes de sala de aula, por forma reincidente e inequivocamente consciente, a responsabilidade pelos males do ensino, como se não coubesse aos políticos e à casta de pensadores e assessores em que se apoiam a definição das políticas e dos processos de as implementar, é uma de duas coisas: má-fé ou ignorância.

2. As "aulas de substituição", o prolongamento do tempo de permanência das crianças na escola, o fim dos trabalhos para casa, o aumento das cargas curriculares das disciplinas em que o fracasso é maior, etc. são medidas demagógicas, populistas e inadequadas, com que a ministra pretendeu contentar as necessidades imediatas de pais que não sabem o que fazer aos filhos enquanto trabalham.
Quando um professor falta, uma escola organizada pode e deve prover uma aula de substituição ou uma actividade de compensação. São coisas diferentes, que a ministra nunca entendeu. Não se pode fazer isso ludibriando as regras contratuais, como a ministra fez. Actividades desse tipo têm que ser úteis, não servindo as ocupações grosseiramente caricatas que se generalizaram, nem os processos arcaicos de encurralamento de docentes aos magotes em salas, à espera do acaso, sem critérios e aviltando a dignidade de todos. A ministra não percebeu que há escolas que não têm recursos para executar um programa desse tipo. A ministra ignora que, face à cultura organizacional vigente, de obediência cega aos papéis, a pressão posta pelos serviços e a ausência de directivas sensatas só poderia gerar bagunça. A ministra não conhece as escolas que tutela, as pessoas que comanda e, depois de ter a confusão exposta na praça pública, fingiu que a não via ou, pior ainda, não se deu conta dela.
As crianças passam na escola mais tempo do que os operários estão nas fábricas. Muitas escolas, demasiadas escolas, são inóspitas como, felizmente, já o não são a maioria das fábricas. A ministra passa olimpicamente a leste dessas realidades. A ministra não compreendeu que o problema do ajustamento social a um novo paradigma de vida é tarefa que não cabe à Escola só, muito menos pode ser cumprido pela maioria das escolas que tem. A ministra é inconsistente quando diz que as crianças têm que progredir sozinhas acompanhadas para liquidar os trabalhos de casa e amarrá-las mais tempo à escola e aos professores. Desfechou, assim, mais uma machadada no valor do trabalho, reforçou o culto do facilitismo e ao "eduquês" somou o "sociologês", invocando que os trabalhos de casa acentuam clivagens entre os filhos de pais cultos e os filhos de pais menos letrados. Como se os pais de hoje fossem mais ignorantes do que eram ontem, ou a lógica dos trabalhos para casa se resumisse a esse deve/haver parental de culturas. A ministra ilude-se quando pensa que combate o insucesso com mais horas do mesmo. A ministra terminará o mandato sem entender que o verdadeiro insucesso se combate com medidas adequadas de gestão, que aumentarão, irremediável e temporariamente, o insucesso que a preocupa, o estatístico. Aqui ficam, a mero título de exemplo, algumas dessas medidas indispensáveis, que ela jamais assumirá, por falta de coragem e de competência: intervenção profunda no modelo de gestão das escolas, autonomizando-as, responsabilizando-as e entregando a respectiva direcção aos mais competentes; radical mudança na estrutura orgânica dos serviços centrais do ministério, que deviam estar estritamente orientados para a definição de políticas assentes em estudos e dados, supervisão da qualidade, gestão orçamental e gestão dos desempenhos e inovação de processos e de recursos; reformulação de programas, marcada pela exigência e diminuição do número de disciplinas e de horas curriculares; recuperação da homogeneização das turmas; implicação séria das organizações locais e comunitárias nas actividades extracurriculares; radical alteração dos normativos disciplinares escolares com a devolução clara da autoridade ao professor e consequências evidentes para o tratamento rápido dos incidentes; imposição de exames nacionais em todos os fins de ciclo, com peso relevante na classificação dos alunos.

domingo, 18 de junho de 2006

Mário Lopes

A não perder a leitura deste editorial que me enviou Amélia Pais, também presente no Nocturno com Gatos, em conjunto com outros textos a ler...

A Educação, a bateria e a especialização

Ao contrário da Economia, da Justiça ou da Saúde, em que são habitualmente chamados a pronunciar-se os profissionais da área respectiva, na Educação todos se sentem habilitados a dar palpites sobre o sector e sobre as reformas que são ou não necessárias. Cada vez mais, o estatuto da Educação se assemelha ao do futebol: como toda gente deu pontapés na bola na infância e na adolescência, acha que domina a arte de colocar a bola no fundo da baliza. Na Educação, também todos passámos pelos bancos da escola e/ou somos pais e, por isso, nos sentimos habilitados a dar palpites sobre Educação e a fazer os mais definitivos diagnósticos sobre o sector.
Basta ligar a televisão ou um qualquer jornal, para vermos políticos, economistas, psicólogos, psiquiatras, advogados, jornalistas ou fabricantes de garrafas a pronunciarem-se de cátedra sobre o assunto. E aqui reside o principal erro que se comete em Portugal em matéria de Educação. Há a ideia generalizada de que este não é uma matéria que exija especialização. Contudo, qualquer professor consciente sabe que, pelo contrário, é um sector que exige uma enorme especialização e experiência.
Há muitos anos atrás, quando um grupo de adolescentes queria formar uma banda de garagem, quem ficava a tocar bateria era quem não sabia tocar nenhum outro instrumento. Hoje a bateria é motivo de teses de mestrado, mas numa época de pouco conhecimento considerava-se que qualquer pessoa era capaz de dar umas batidas nos pratos. Na política portuguesa também é assim: para ministro da Justiça escolhe-se um advogado ou um juiz, para a pasta da Economia escolhe-se um economista, para a pasta da Saúde vai um médico ou professor de Saúde Pública. Para a Educação, vai qualquer um. Não é necessário nem especialização nem o conhecimento do sector. Extraordinário!
Ninguém se lembraria de escolher um veterinário para ministro das Finanças, mas toda a gente achou natural que a economista Manuela Ferreira Leite ascendesse à pasta da Educação. Também toda a gente achou normal que os engenheiros mecânicos Couto dos Santos e Marçal Grilo (este com algum contacto com o sector) passassem a inquilinos do prédio da 5 de Outubro. Ou que David Justino, autarca e professor do ensino superior, ocupasse as mesmas funções.
Nada mais pacífico, por isso, que Santana Lopes tivesse convidado uma especialista de telecomunicações para o cargo, com os resultados trágicos que se conhecem. Posto isto, quem se admiraria ao ver José Sócrates convidar uma professora de Sociologia, sem qualquer currículo conhecido na área do ensino básico ou secundário para o cargo? Aliás, parece que todas as profissões dão excelentes currículos para ministro da Educação, excepto uma: a de professor dos ciclos de ensino respectivos!
Quando foi conhecido o nome de Maria de Lurdes Rodrigues para a pasta da Educação, todos se interrogaram quem seria a nova titular, uma vez que ninguém a conhecia. Além de algumas obras publicadas, que nada tinham a ver com o ensino secundário, sabia-se que era presidente do Observatório das Ciências em Portugal. Contudo, logo os jornalistas descobriram uma "qualidade" na nova ministra que a qualificava para o cargo: era conhecido o seu mau feitio. Não demorou muito a que os portugueses demorassem a descobrir que o critério "mau feitio" era extensivo aos seus secretários de Estado. Um critério, no mínimo estranho, numa pasta que envolve milhões de pessoas e em que a capacidade de comunicação deveria ser prioritária.
Existem quase 150 mil professores em Portugal a trabalhar no ensino básico e secundário, mas, ao que parece, nenhum sabe suficientemente de educação para desempenhar o cargo. É caso para perguntar o que fazem estes milhares de professores durante dias, meses, anos ou décadas de profissão. Se dia após dia, não se estão a especializar em Educação, então o que estão a fazer?
Aprender a fazer horários, conciliando uma complexidade de factores, não é especialização? Dirigir uma escola não é especialização? Gerir uma turma de alunos desestruturados não é especialização? Contudo, parece que em Portugal, todo este conhecimento fundamental não habilita nenhum dos profissionais de Educação a dirigir o ministério respectivo. Extraordinário!
Ao invés, parece que o que habilita alguém para o cargo é nunca ter dado uma aula na vida no sector que vai dirigir! Ou que não faça a mínima ideia do que sejam as dinâmicas dentro de uma sala de aula. Não será esta sistemática ostracização dos professores, afinal, uma falta de consideração da classe política para com os profissionais de Educação deste País?
Como se pode conceber que conhecer o sistema por dentro nada valha para a classe política? Como se admite que, se não me falha a memória, nem um único professor tenha sido convidado para ocupar o cargo de ministro ou de secretário de Estado neste País nas últimas décadas? Será que aos professores do ensino básico e secundário está reservado o estatuto de menoridade mental e profissional, apesar das provas de bom senso que revelam todos os dias?
Com o devido respeito, enquanto cidadão, considero que os professores têm cumprido incomparavelmente melhor as suas funções do que a classe política. Se alguma dúvida houvesse, bastaria ver o estado em que encontra este País. Por outro lado, convém lembrar que a responsabilidade das políticas educativas erráticas e inconsequentes é da classe política, não dos docentes, que apenas as executam.
As estatísticas e o sucesso educativo
Os portugueses têm assistido, com alguma perplexidade, às queixas da senhora ministra da Educação sobre as taxas de insucesso e abandono escolar. Afinal, a um ministro da República não se pede que se queixe, mas que resolva os problemas. Para isso tem, primeiro, de conhecer a realidade. Contudo, os argumentos que a senhora ministra e os seus secretários de Estado têm trazido para a comunicação social mais não revelam que um profundo desconhecimento do trabalho produzido nas escolas.
As questões são simples e quem está no terreno conhece as soluções há muitos anos. O entendimento entre os professores não é difícil e, regra geral há consenso sobre a forma de resolver os problemas. Aliás, os profissionais, seja qual for o ramo de actividade, conhecem sempre muito bem os problemas da sua área de actuação e, por isso, as soluções também são geralmente consensuais. As dificuldades surgem quando aparecem políticos, que não conhecem a verdadeira dimensão dos problemas, a Governar sectores que não dominam. O resultado traduz-se invariavelmente em contestação dos profissionais em causa e medidas avulsas e inconsequentes.
Há anos que os professores deitam as mãos à cabeça com as medidas apresentadas pelos sucessivos governos, cada uma pior que a outra. Com a sua proverbial paciência, professores e conselhos executivos tentam implementar o que, muitas vezes, não tem qualquer viabilidade ou aderência à realidade. Se a autonomia das escolas lhes permitisse rejeitar muitas das directivas absurdas que lhes chegam anualmente, por certo, muito dinheiro pouparia o País e muita eficácia ganhariam as escolas.
Mas vamos às queixas da senhora ministra. Para responder a estes questões, não precisamos de comissões de sábios ou de espertos (tradução livre do Inglês), qualquer professor esclarecido conhece as soluções. Porque é que os alunos não completam o 12º ano? A resposta é curta e simples: o elevado grau de abstracção dos actuais programas do 12º ano não é compatível com o perfil de uma parte significativa da população escolar.
O problema não está nos alunos nem nos professores nem nos pais nem sequer no sistema de ensino, mas nos programas, que foram criados com a função de preencher anos pré-universitários. Ora, quem não tem perfil universitário - e são muitos - também não tem perfil para frequentar o actual 12º ano. Se o País quer que a generalidade dos alunos completem o 12º ano tem de lhes propor outras competências, de menor abstracção e complexidade, seja através de cursos profissionais ou outros. E ponto final.
Volto à questão da necessidade de especialização da escola. O Ministério da Educação olha para a população escolar como uma massa uniforme e, por norma, propõe soluções universais para problemas bem distintos. Erro crasso. Já dizia, Decartes que os problemas complexos se devem decompor em problemas simples, para que se possam resolver.
Ora, com a democratização do ensino, toda a população jovem passou a ter acesso à escola. E com ela chegaram novos problemas às escolas que exigiriam soluções diferenciadas. Contudo, o Ministério da Educação continua a comportar-se como se a população escolar tivesse a mesma homogeneidade de há 30 anos. Não tem. A população escolar de hoje é altamente heterogénea, uma consequência da universalidade do ensino.
Os três nós górdios do ensino secundário
1) O atraso mental ligeiro
Numa linguagem simplificada, eu diria que há três tipos de novos utentes que acederam à escola nas últimas duas ou três décadas e que têm sido ignorados pela classe política. Uma dessas classes, de que nunca se fala, é a população escolar menos favorecida intelectualmente. Não há que ter pudor ou vergonha em falar no assunto, eles existem, há que assumir essa realidade. Há 30 anos, não passavam do 1º ciclo, hoje frequentam o terceiro ciclo e pretende-se que cumpram no futuro 12 anos de escolaridade.
A população escolar não deve ser dividida numa grande maioria, inteligente, e numa pequena minoria, deficiente. Não. Há uma fatia intermédia da população escolar que, não sendo considerada deficiente, possui, no entanto, o que definiria, ainda que sem rigor científico, como grau de atraso mental ligeiro. Todavia, não é politicamente correcto admitir que existem alunos intelectualmente limitados, todos preferem assobiar para o lado e fingir que o problema não existe.
Por certo, até hoje nenhum ministro da Educação se lembrou de pedir o perfil da população escolar em termos de Quociente de Inteligência (QI). Seria um exercício interessante confrontar esses resultados com as exigências dos programas escolares. Ora, o Ministério da Educação continua a exigir a estes jovens menos dotados intelectualmente aquilo a que eles não conseguem corresponder. Numa estimativa meramente empírica, baseado na minha própria experiência de professor, diria que esta população não andará longe dos 10%, o que, concordemos, é um número muito significativo.
Na minha opinião, há que olhar para este problema de forma integrada pois os cursos profissionais apenas o resolverá em parte. Não esqueçamos que, num mundo globalizado, cada vez se exige mais dos profissionais, seja qual for a área. E hoje, exige-se muito a um electricista, um jardineiro ou um mecânico, bem mais do que estes alunos poderão eventualmente dar.
Por isso, mesmo depois de formados, dificilmente estes jovens poderão competir de igual para igual no mercado de trabalho. As limitações intelectuais não desaparecem só porque frequentaram cursos de formação e, por isso, seria importante que o Governo criasse bolsas de trabalho protegidas, quer no Estado quer no sector privado, através de protocolos com as empresas.
Não entendo, por exemplo, porque é que pessoas com QI médio ocupam postos de trabalho no sector da limpeza, quando este, por ser menos exigente, deveria ser um sector de mercado de trabalho protegido dirigido para pessoas de QI baixo, que dificilmente conseguirão emprego estável noutras áreas. O que a sociedade não pode é marginalizar estes jovens nem deixar de lhes oferecer uma colocação profissional compatível com as suas limitações intelectuais. E ao ignorar as suas limitações, o Estado está a empurrar involuntariamente estes jovens para a marginalidade social.
2- a) O mundo das famílias desestruturadas
O segundo tipo de utente que tem acedido à escola nas últimas décadas é o das chamadas famílias desestruturadas. Antes de 25 de Abril de 1974, estes jovens eram perseguidos e marginalizados pelos próprios professores, seguindo as directrizes e as práticas do Ministério da Educação. Se não eram expulsos, eram tão maltratados que acabavam por abandonar as escolas na primeira oportunidade.
Contudo, hoje fazem parte da população escolar e, reconheça-se, de pleno direito. No entanto, mais uma vez, o Ministério da Educação não os reconhece como segmento de população escolar diferenciado e remete a solução dos problemas que causam no normal desenrolar da vida escolar para as escolas, sem os correspondentes meios.
Aqui, as soluções para a resolução deste problema dividem-se. A Alemanha decidiu criar escolas de nível regular, médio e máximo e dar aos pais a opção de escolherem a escola dos seus filhos. A formação dos professores, ao que me informaram, também é diferenciada: os das escolas regulares têm competências reforçadas ao nível do comportamento e integração social e os das outras escolas ao nível científico. Confesso que me inclino, cada vez mais, para esta opção porque é a que mais atenção dá aos diversos públicos-alvo.
A outra opção passa por manter a actual heterogeneidade das turmas. Contudo, também aqui há limites inultrapassáveis, como o número de alunos problemáticos a nível de comportamento por turma. Por norma, um professor consegue gerir satisfatoriamente uma turma com um ou dois alunos problemáticos, mas jamais conseguirá gerir com sucesso turmas com 10 ou 15 alunos problemáticos. Neste caso, o rendimento escolar fica irremediavelmente comprometido. Bem pode o professor "fazer o pino", pois em Educação não há milagres.
Ora, hoje em dia o Ministério da Educação impõe que as turmas só possam ser desdobradas se tiverem mais de 30 alunos, exceptuando se tiverem alunos com algum tipo de deficiência. Ora, os alunos desestruturados não são deficientes e, por isso, hoje há turmas com 10 ou 15 alunos problemáticos integrados em turmas de 30 alunos. O resultado só pode ser trágico, quer para os alunos problemáticos, que não têm a atenção que lhes é devida, quer para os restantes, que não conseguem aprender o que deviam. Obviamente, a culpa aqui não é dos professores, mas das regras absurdas impostas pelo Ministério da Educação.
Ainda nesta opção, é absolutamente indispensável que a indisciplina orgânica não se torne norma na aula. A sala de aula é um local de trabalho, não o prolongamento do recreio. Contudo, cada vez é mais difícil distinguir o recreio da sala de aula. Ou é o auscultador que o aluno coloca mais ou menos discretamente no ouvido, ou é o telemóvel, ou o caderno e o livro que não são trazidos para a aula, ou a conversa irreverente com o parceiro do lado enquanto o professor tenta explicar a matéria, tudo isto perturba enormemente uma aula e reduz drasticamente a aprendizagem.
Ora, esta indisciplina orgânica deve ser muito mais penalizadora para o aluno do que é actualmente. A solução, do meu ponto de vista, passa por criar um núcleo disciplinar dentro de cada escola. Se um aluno desrespeita sistematicamente as regras de comportamento na sala de aula, deve ser obrigado a sair, mas não para regressar 10 ou 15 minutos depois à aula seguinte, continuando a ter o mesmo comportamento. Alguém que é expulso de uma aula por mau comportamento deveria ficar até ao final do horário escolar numa sala disciplinar, acompanhado por dois professores, com o perfil adequado para o efeito. Isto já é feito, com êxito, em escolas americanas.
Outra medida poderia passar pela mudança compulsiva de turma ou até, de estabelecimento de ensino, bastando para tal uma avaliação negativa do comportamento do aluno, devidamente fundamentada, por parte do conselho de turma. Só assim, o combate à indisciplina será suficientemente dissuasor. O actual modelo do processo disciplinar, burocrático, interminável e permissivo, não tem qualquer eficácia e deveria ser reservado apenas a casos de violência, física ou verbal. Muitas vezes, quando chega ao fim o processo disciplinar, já acabou o ano lectivo. E, na maior parte das vezes, a pena é tão simbólica que põe o sistema a ridículo.
2-b) A violência na escola
Ainda dentro do capítulo das famílias desestruturadas, é preciso considerar o caso-limite da violência nas escolas, que afecta, sobretudo, a periferia das grandes cidades. O Ministério da Educação não pode remeter o problema para as escolas, lavando daí as suas mãos como Pilatos. Pior ainda quando decide acusar de incompetência os professores e as escolas em dificuldade, com o extraordinário argumento de que há escolas que têm êxito em situações idênticas.
Aliás, nos célebres vídeos da RTP, a estratégia do secretário de Estado passou (surpresa!) por tentar culpabilizar os professores em causa pela violência nas aulas, quando se percebe claramente que há naqueles alunos uma agressividade perfeitamente anormal que exigiria um apoio especializado acrescido àquelas escolas. Aliás, esta é a estratégia recorrente dos responsáveis do Ministério da Educação: quando algo não está bem, a culpa é invariavelmente dos professores. É a visão simplex da Educação.
No caso dos vídeos na RTP, seria previsível que os responsáveis do ME tomassem medidas para resolver os problemas de violência nas escolas. Todavia, logo surgiu a notícia de que o Ministério iria tentar acusar a direcção das escolas de violação do direito de imagem, apesar de ninguém ser identificado na reportagem. Fantástico!
3- O problema da motivação
Um terceiro grupo problemático é o dos alunos que, devido a problemas de motivação ou bloqueios emocionais não conseguem ter um rendimento escolar normal. Muitas vezes, falta de motivação e de resultados não implica mau comportamento nas aulas. Muitos factores podem estar associados a estes problemas. Um deles é conhecido como hiperactividade ou défice de atenção. Segundo o pedopsiquiatra Nuno Lobo Antunes, 7,5% da população escolar tem este problema. Numa escola de 1300 alunos, 100 alunos sofrerão assim deste problema. Uma multidão.
E qual é a resposta do Ministério da Educação para este problema, que exige tratamento médico especializado? A informação que tenho é que a única consulta do Estado na região, localizada no Hospital de Leiria, tem uma lista de espera de 7 meses... No sector privado, uma consulta da especialidade pode chegar aos 100 euros, bem longe do alcance da maioria dos pais.
Diante deste cenário, que razão tem a senhora ministra da Educação para se queixar dos maus resultados escolares dos alunos? Além destes, existem muitos outros problemas de saúde que explicam o baixo rendimento dos alunos, como dislexia, problemas de visão, audição, etc., muito mais frequentes do que se pode imaginar e que dificilmente os professores conseguem detectar.
Ainda relativamente à motivação, que soluções propõe o Ministério da Educação para os inúmeros casos de falta de acompanhamento dos alunos por parte dos pais? É um erro de palmatória pensar que os professores podem substituir os pais no acompanhamento parental. Com 5 ou 6 turmas de 25 a 30 alunos e horários rígidos, perfazendo 100 a 150 alunos a seu cargo diariamente, os professores não têm nem tempo nem vocação para fazer esse acompanhamento. O resto não passa de fantasias delirantes. Ponto final.
A "solução" do Ministério da Educação de alargar os horários escolares para permitir o melhor acompanhamento desses alunos dificilmente terá qualquer eficácia. Primeiro, porque não é em 45 minutos ou mesmo 90 minutos que se consegue dar o mínimo de acompanhamento parental a grupos de 5, 10 ou 15 alunos. Em segundo lugar, mais horas num horário escolar já sobrecarregado soa como um castigo extra para os alunos, que, ao fim do dia, já estão cansados e stressados e só querem ir para casa descansar.
Outra medida inconsequente são as chamadas aulas de substituição. Se elas são compreensíveis no 1º ou 2º ciclo, dada a tenra idade dos alunos, que exige uma supervisão apertada, o mesmo não acontece no 3º ciclo e no ensino secundário, onde os alunos já dispõem de razoável autonomia. O argumento da senhora ministra de que se os alunos não estiverem na sala de aula andam pelos cafés a embebedarem-se não colhe.
Em primeiro lugar, se as escolas não estão vedadas, é obrigação do Ministério da Educação fazê-lo. Os alunos devem permanecer no espaço escolar durante o tempo do horário escolar. E a esmagadora maioria dos alunos portugueses não são bêbados nem toxicodependentes, são jovens que precisam de brincar e de socializar, coisa que sempre fizeram de forma saudável. Com esta medida, a senhora ministra impede os alunos de o fazer no recreio. A consequência é que transformam o espaço da sala de aula, que deveria ser sagrado e reservado ao estudo, no recreio. Os resultados desta medida em termos de cultura escolar são, obviamente, catastróficos.
As medidas piedosas e populistas do Ministério da Educação, que podem parecer óptimas para pais e leigos na matéria, traduzem-se afinal em mais custos para os contribuintes e resultados nulos. Este é mais um exemplo de que a Educação precisa de especialização e que os especialistas deste sector não são gestores, sociólogos ou engenheiros mecânicos, mas professores.
E, já agora, qual é a penalização (ou incentivo) para os pais que nem sequer vão à escola quando são solicitados? Será que o sucesso educativo não passa pela responsabilização de todos os intervenientes no processo educativo? Muito francamente, não me parece sério um discurso que só procura responsabilizar uma das partes e se demite totalmente de responsabilizar os outros intervenientes no processo. Ou será que o Ministério da Educação optou por afrontar apenas os professores por serem apenas 150 mil e não tem coragem de responsabilizar pais e alunos, por estes serem 3 ou 4 milhões?
A avaliação dos professores
a) Os "maus professores"
Em quase 20 anos de ensino, contam-se pelos dedos de uma mão os comportamentos não responsáveis de professores que observei. Por isso, é com perplexidade que ouço falar da necessidade de punir os "maus professores". De que País estamos a falar: da Somália, do Sudão ou do Burkina Faso?! Com certeza os professores são humanos, terão seguramente personalidades muito diferentes, qualidades e defeitos, mas, se há classe que me merece confiança, é a dos professores.
De resto, numa profissão sujeito ao escrutínio de tanta gente, dificilmente algum professor não cumprirá as suas obrigações. Qualquer aluno, encarregado de educação ou professor se pode queixar ao conselho executivo da escola e todas as queixas são tidas em conta, consideradas e dado o devido encaminhamento. Os casos poderão depois ser passados à inspecção que os analisa a pente fino e, mesmo assim, raras são as condenações de professores.
Só quem não percebe nada do que são as escolas portuguesas - e muitos são, incluindo a maioria dos jornalistas - consegue acreditar na fantástica tese de que o problema do ensino secundário reside na qualidade dos professores. Lembro que a quase totalidade dos professores são pessoas formadas e, como já sublinhei, têm de dar diariamente provas de bom senso. Na verdade, o que falta nas escolas são regras eficazes a todos os níveis e flexibilidade na gestão.
Por isso, é lamentável que a campanha de difamação dos professores parta precisamente dos responsáveis do Ministério da Educação. E mais lamentável ainda é que num dia lancem lama sobre a classe, para logo no dia seguinte virem dizer que não era bem assim, e que a culpa é do jornalista que deu a notícia. A senhora ministra acusou os professores de só se preocuparem com as boas turmas e de as colocarem de manhã para os funcionários da escola colocarem lá os seus filhos. Ora, isto é uma acusação claríssima de corrupção.
Em quase 20 anos de profissão, nunca observei tal prática e, por isso, considero que a senhora ministra difamou os professores. Em primeiro lugar, com a natalidade em queda, não me parece que os professores tenham assim tantos filhos e menos ainda na escola onde leccionam. Da minha experiência, cada escola talvez tenha em média dois ou três filhos de professores a estudar na mesma escola enquanto há 20 ou 30 turmas por escola. Além disso, muitos são os professores que têm os filhos a estudar noutras escolas, públicas ou privadas.
Por aqui se vê que essa acusação não tem qualquer base de sustentação. No entanto, a ser verdade esta prática nalguma escola, a obrigação da senhora ministra era mandar a Inspecção averiguar, não lançar lama contra uma classe profissional inteira.
Por outro lado, a comparação dos professores com os médicos é, uma vez mais, reveladora do desconhecimento que a senhora ministra tem da profissão docente no ensino secundário. A cura da doença dos pacientes só depende do médico, mas a aprendizagem dos alunos não depende só do professor. Só por desonestidade intelectual e/ou leviandade se podem comparar situações tão distintas.
b) A avaliação fantasma dos pais
Os alunos não aprendem por um conjunto variado de factores, que já atrás referi, e dos quais o Ministério da Educação é o principal responsável. Os professores fazem o melhor que podem e sabem. De resto, a intenção persecutória dos responsáveis do Ministério da Educação contra os professores e as suspeitas públicas quanto ao seu profissionalismo são claras. A última afronta é a proposta de Estatuto da Carreira Docente.
Com efeito, a proposta de avaliação dos professores por parte dos encarregados de educação parte da suspeita não confessada de que os professores não são responsáveis. Assim, os pais (supostamente cidadãos responsáveis) controlariam os professores (supostamente profissionais irresponsáveis). A medida, tão populista como perversa, mereceu a reprovação da maior parte dos partidos, do Bloco de Esquerda ao CDS, e até da generalidade dos comentadores, sempre tão benevolentes com os actuais responsáveis da 5 de Outubro.
A proposta não sobrevive ao mais rudimentar escrutínio. Primeiro, como podem os pais avaliar professores, se nem sequer os conhecem? Por outro lado, se não os conhecem, as informações em que se baseiam são transmitidas pelos filhos, de 10, 13 ou 16 anos! Ora, que maturidade tem uma criança ou adolescente para avaliar um professor?
Por outro lado, é preciso não esquecer que entre professor e aluno também existe uma relação de poder. E deixar na mão de um adolescente o poder de avaliar o educador é uma total perversão. O poder do educador não pode ser diminuído pelo receio de uma revanche do aluno. No limite, uma turma de marginais terá o professor na mão, porque se este os afrontar leva com uma avaliação negativa e o seu salário será diminuído. Em termos de relação de poder, é como se um juiz passasse a ser avaliado pelas pessoas que tem de julgar! Um completo absurdo.
E nem a tentativa da senhora ministra de tentar fugir à questão, dizendo que este é apenas um acto de avaliação, entre muitos outros, é minimamente admissível. Não é por ter menos peso que a proposta se torna mais séria ou aceitável! Além disso, um trabalhador não pode ver o seu desempenho avaliado por factores subjectivos, de que nunca poderá recorrer, deve ser avaliado em função de critérios objectivos. A avaliação profissional é uma coisa séria, não pode ser uma lotaria.
A insinuação de que os professores não querem ser avaliados é outra peça na campanha contra a classe que circula pelos média. A verdade é que os professores já eram avaliados até aqui, dependendo a aprovação da frequência de acções de formação e do cumprimento das tarefas atribuídas. É certo que o processo de avaliação não era muito exigente, mas a responsabilidade é, naturalmente, dos responsáveis do Ministério da Educação que aprovaram essa legislação, não dos professores, que se limitaram a cumprir o estipulado.
c) O mito da falta de assiduidade
Faço aqui um parêntesis para abordar a questão da assiduidade, que tem sido alvo de uma campanha demagógica contra a classe docente. Em primeiro lugar, o ensino é uma profissão maioritariamente de mulheres. Ora, tradicionalmente, quem cuida dos filhos quando estes estão doentes são as mulheres, sem falar que mulheres engravidam e, por isso, também têm por vezes de faltar por razões de saúde. Por isso, é natural que a assiduidade seja menor entre os professores que noutras profissões. Qual é a alternativa? Querem que as professoras deixem os seus filhos ao abandono?
Por outro lado, a falta de um professor tem uma repercussão social ampliada. Quando um funcionário falta numa repartição o utente raramente dá por isso. No caso dos professores, quando um deles falta um único dia, há 150 alunos que dão pela sua falta e que contam a 300 pais. No total, a falta de um único professor é notada por quase meio milhar de pessoas.
Por outro lado, não entendo porque os professores não podem repor as aulas em que têm de faltar. Bastaria que, para tal, fosse marcado no horário escolar uma mancha para esse efeito. Aqui está um mecanismo de gestão que, incompreensivelmente, não é utilizado e que poderia minorar bastante os efeitos das ausências pontuais dos professores.
Por outro lado, é preciso entender que os professores têm horários extremamente rígidos e a um simples atraso de 5 minutos, devido a trânsito intenso ou outro motivo imprevisto, pode corresponder uma falta de um dia inteiro, se essa for a única aula do dia, ou, no mínimo, a ¼ de dia de falta. Quantos profissionais deste País têm penalizações tão gravosas, embora compreensíveis, por atrasos de 5 minutos?
Além disso, é uma profissão muito exigente em termos de cansaço e desgaste psíquico. Um dia inteiro a lidar com adolescentes irreverentes é uma tarefa duríssima, sobretudo, quando se tem de lidar com turmas problemáticas, sem falar no trabalho que os professores levam para casa. Por isso, por vezes, quando um professor está "de rastos", nada mais lhe resta que parar um dia, mesmo perdendo um dia de férias, para recuperar energias ou até a sua sanidade mental.
Seguramente, não é por causa da assiduidade dos professores que o ensino está mal. A única excepção sucede quando um professor está de atestado médico menos de um mês, uma vez que a legislação só permite a substituição se a ausência for igual ou superior a um mês. O incumprimento do programa agrava-se ainda mais quando a instabilidade da saúde professor o leva a pôr sucessivos atestados médicos de curta duração.
São casos raros, mas acontecem e penalizam bastante os alunos. No entanto, cabe ao Ministério da Educação modificar essa legislação e encontrar soluções mais criativas para que os alunos não fiquem sem aulas tanto tempo.
d) Avaliação sim, mas objectiva
De qualquer forma, quem não deve não teme e os professores não têm qualquer problema em ser avaliados, desde que os critérios sejam objectivos e estejam relacionados directamente com o seu trabalho. Não é aceitável que a sua avaliação dependa dos resultados dos alunos, pela simples razão de que os resultados dependem de muitos outros factores, além do trabalho do professor.
Por exemplo, um professor com turmas problemáticas nunca pode ter os mesmos resultados que um professor com bons alunos. Por outro lado, isso seria mais um convite ao facilitismo porque, naturalmente, pressionaria os professores a inflacionar as classificações dos alunos.
Por outro lado, é clara a intenção deste Governo ao fixar numerus clausus no acesso ao topo da carreira e não querer pagar aos professores, independentemente do seu mérito ou competência. Ora, como quer o Governo atrair para a carreira bons profissionais se não lhes paga em consonância? A proletarização da classe docente é uma realidade típica de países de Terceiro Mundo, não de países civilizados. E mal vai Portugal se tenciona continuar a desvalorizar a profissão de professor.
Parafraseando a magnífica frase de Medina Carreira há alguns dias na RTP, também "eu gosto dos determinados, mas é quando acertam." Como já aqui demonstrei, a nomeação desta equipa da Educação é um monumental erro de casting e o País vai pagar caro a política populista e voluntarista que está a ser seguida neste sector. Em vez de mobilizar energias, Maria de Lurdes Rodrigues mais não faz do que incendiar o País e comprar guerras inúteis e despropositadas com os professores.
O descrédito da actual equipa da Educação é total nas escolas portuguesas e, por mais que isto custe a José Sócrates, tal não se deve a questões salariais, mas ao facto da sua competência não ser reconhecida. Não se governa um País com base em estatísticas, sobretudo, quando não se percebe o que está por detrás desses números. E quanto mais Maria de Lurdes Rodrigues brande desajeitadamente as estatísticas, mais expõe a sua ignorância e se põe a ridículo aos olhos dos professores. E muito mal vai uma organização quando os subordinados não reconhecem a competência do chefe.

sábado, 17 de junho de 2006

António Nóvoa

Um resumo, da amiga Soledade, do discurso de António Nóvoa, na Assembleia da República, em 22 de Maio de 2006, durante o Debate Nacional sobre Educação. A ler este seu post com uma série de links, entre os quais este texto integral, que ajuda à reflexão...

(...)
Durante décadas e décadas e décadas Portugal foi o país da Europa que menos investiu em educação. Mesmo depois de Abril, estivemos sempre abaixo da média europeia. Recentemente, entre 1997/1998 e 2002/2003, num período curto de 4 ou 5 anos, fizemos um esforço um pouco maior. Um indicador, apenas um – a despesa pública em educação estimada em percentagem do PIB – subiu acima da média europeia ( o que não espanta tendo em conta que o nosso PIB é muito baixo!) e logo se generalizou a ideia de que estávamos a gastar de mais.
Não se consultou a página anterior dos mesmos relatórios (aí se verificando que a despesa média por aluno continua a ser das mais baixas da Europa ) ou a página seguinte (aí se constatando que o total da despesa em educação, e não apenas da "despesa pública", estimada em percentagem do PIB não ultrapassa a média europeia ). Publicou-se apenas, e repetidamente, a mesma página com o objectivo de criar um ambiente social desfavorável ao investimento público em educação.
(...)

Ao longo do século XX, fomos atribuindo cada vez mais missões à escola e esta deixou-se inebriar por solicitações que, aparentemente, a dignificavam na sua missão. Não tenho tempo para descrever este processo a que tenho chamado o transbordamento da escola. Mas deixo-vos um apontamento incompleto, escrito depois de uma leitura rápida dos últimos meses do Diário das Sessões desta Assembleia.

- Aqui se referiu o papel da Escola na educação ambiental e, em particular, no que diz respeito às questões do mar e da protecção das florestas;
- E referiu-se também o seu papel na protecção civil e na segurança, ensinando as crianças a lidarem com o risco e com situações de emergência;
- E referiu-se ainda o seu papel na preservação do património cultural, dos monumentos, das tradições e das culturas locais;
- Aqui se referiu o papel fundamental da Escola na educação para a saúde, nas suas múltiplas vertentes, desde a saúde oral até ao combate às epidemias e, em particular, à gripe das aves;
- E referiu-se também o seu papel na prevenção da toxicodependência e do tabagismo, bem como na promoção de comportamentos saudáveis;
- E referiu-se ainda o seu papel na educação alimentar e numa correcta aprendizagem de hábitos de consumo, aos mais diversos níveis;
- Aqui se referiu o papel da Escola na educação sexual, combatendo assim um dos dramas maiores da sociedade portuguesa, sobretudo nos meios mais pobres;
- E referiu-se também o seu papel na prevenção dos acidentes, através de uma cuidadosa educação rodoviária.
- E referiu-se ainda que a escola não pode alhear-se de um conjunto de "cuidados" a prestar às crianças e chamou-se a atenção para o seu papel no combate aos maus-tratos, aos abusos sexuais e à violência no seio da família.
- Aqui se referiu o papel da Escola na educação para a cidadania, na promoção dos valores, na prevenção da delinquência juvenil e na criação de ambientes sociais e familiares seguros;
- E referiu-se ainda a necessidade da Escola assegurar o "pleno desenvolvimento físico, intelectual, cívico e moral dos alunos".
- E – como não podia deixar de ser – aqui se referiu a importância das necessidades educativas especiais, aqui se insistiu na aprendizagem das novas tecnologias e na aquisição de "competências de empregabilidade", etc. etc. etc.
Tudo isto apenas nos últimos meses de debates nesta Câmara. E tudo isto é justo e acertado. E tudo isto merece ponderação. E nenhum de nós se atreveria a excluir uma única destas tarefas da lista de tarefas da Escola. Mas será que a ela pode fazer tudo isto, para além daquela que é a sua missão primordial? A minha resposta é não. A escola está esmagada, sufocada, por um excesso de missões.
Importa, pois, recentrá-la nas actividades especificamente escolares, o que obriga, por outro lado, ao reforço de um espaço público de educação, no qual as famílias, em primeiro lugar, mas também as empresas, as igrejas, as associações, os centros de saúde ou as autarquias, entre tantas outras entidades, assumam as suas próprias responsabilidades.
Eu sei que, em certos meios, esta evolução é difícil e a escola não pode abdicar da sua acção social. Mas não quero ver no meu país o que acontece noutros países: uma escola que é essencialmente um "centro social" nos meios mais pobres e uma outra centrada na aprendizagem nos meios mais favorecidos . Em nome da democratização estaríamos a tornar os frágeis ainda mais frágeis.
(...)
Há quanto tempo repetimos, em Portugal e no resto do mundo, que os currículos e os programas são demasiado extensos? Mas todos os dias lá colocamos uma nova disciplina, um novo conteúdo programático, uma nova competência. E depois… os professores que resolvam o problema como puderem.
(...)
No seu discurso de tomada de posse, o Presidente da República afirmou que a escola, mais do que ensinar, deve ensinar a aprender, acrescentando mesmo que mais decisivo ainda era "aprender a empreender" . Não é um dilema fácil de resolver, pois é preciso estabelecer prioridades e não basta dizer que tudo é importante. Estamos preparados para o enfrentar? Ou é mais fácil enviar tudo para dentro da Escola e, depois, culpar quem lá está pelo "desastre da educação"?
(...)
Mas nada disto nos resolve o problema, cada vez mais agudo, dos alunos que não querem aprender, daqueles para quem a escola não tem sentido e que são causadores de grande parte das perturbações nas nossas escolas. (...) O grande desafio da pedagogia, dos melhores professores, é conquistar estes alunos para o esforço da aprendizagem, para o trabalho escolar.
(...)
não há nada, absolutamente nada, que substitua um bom professor. O seu exemplo, a sua inspiração, acompanham-nos pela vida fora. Da existência de bons professores, e do seu prestígio, depende, e muito, o futuro das nossas escolas. (...)

sexta-feira, 16 de junho de 2006

Ensino: a destruição final

Nos últimos dias, a actividade opinativa ou escavação predicatória sobre as medidas propostas pelo Ministério da Educação para alteração do ECD, arrastou uma turba de "inteligentes" da educação e do ensino para a praça pública, desde o mais dócil dos caceteiros jornalísticos ao mais obscuro do cidadão indígena. Pela verborreia a que se assistiu, todos pareciam ser professores: titulares, diga-se. Na hora, enquanto a ruína ainda só se pressentia, a senhora Ministra da Educação vai de desprofissionalizar, desqualificar e caluniar docentes, sem nenhum pudor intelectual ou tacto pedagógico. Arrebatada, presumivelmente por um qualquer génio da sociologia das profissões, a Ministra deu conferências em série, despachou decretos e outros receituários em massa, quase que sorriu aos devotos admiradores do seu eduquês, apareceu televisiva, encontrou-se com os pais, estava feliz. Não houve, por hora, festanças para os lados das ESE's e Politécnicos e só no Largo do Rato pertinentes analfabetos comiciaram socraticamente. O eduquês é polido, mas não valente.
Não iremos falar da Escola em geral, porque esta, piedosamente, se desvaneceu. Fernando Gil explicou isso bem (ver Enciclopédia Einaudi, vol. VII). Outros, para citar os mais próximos, como Lopes Carrilho, Stephen Stoer, Ferreira Patrício, António Magalhães, Bártolo Paiva Campos, João Formosinho Sanches Simões, António Nóvoa, Albano Estrela, João José Boavida ou Ana Paula Caetano, fazem-no ainda e muito bem. Por isso, não falaremos, especialmente, de objectivos educacionais ou da sua taxionomia, do currículo, da estruturação do ensino ou da aprendizagem, da didáctica, dos tipos e técnicas de avaliação escolar, do espaço físico-social e pedagógico, da comunicação educacional, do meio escolar e extra-escolar, da formação de professores, da disciplina/indisciplina, de sucesso/insucesso escolar. Matérias essas que os colunistas domésticos e os bons espíritos indígenas, aqueles que saem em defesa da obra da ministra, parece que dominam e pisam inteiramente. Estamos gastos por tanta erudição avulsa. E não é este o espaço ideal para isso e bem penoso o seria. Somos recatados.
Apenas se pretende ao analisar este espectáculo indecoroso da retórica ministerial & dos seus apaniguados, registar algumas contradições presentes na proposta de alteração do "Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente". Dito de outro modo, consideramos não existir qualquer princípio de correspondência entre a nova proposta de regulação da profissão docente e a filosofia da educação ou politica educativa que é publicamente alardeada pela ministra.
Assim, dizemos que nem o novo ECD tem características meritocráticas, nem faz aumentar a eficácia, a competitividade e a rentabilidade das escolas e, por isso, não melhora o sistema educativo. Que na "histeria política" sobre a avaliação do desempenho nunca se assume o porquê de assim se proceder, não se expõe os objectivos pedagógicos a atingir, nem se questiona o seu putativo resultado final. Que no invés de conceder autonomia, responsabilidade e liberdade organizacional a docentes e outros intervenientes escolares e depois os avaliar, se tem a intenção de limitar direitos profissionais e coarctar os diferentes poderes pessoais e cognoscitivos dos professores. Que a visão romântica da organização escolar, criada por esta nova burocracia que tudo uniformiza e ritualiza, tem efeitos perversos na liderança e na necessária colaboração individual/de grupo nas tarefas de aprendizagem. E assim sendo, porque não desenvolve a "aprendizagem de grupo colaborativa" e skills individuais, não se torna a escola uma importante "unidade de mudança", que todos exigem. Que a visão (partilhada) da Escola, que é sempre de ordem individual, interactiva e contextual, fica completamente à mercê da tutela, não deixando margem de decisão aos vários clientes escolares e aos docentes, em particular, o que questiona imediatamente a natureza e os objectivos pedagógicos ou ideológicos que lhe estão associados. Que, por fim, o caos organizacional consequente que promove, irá resultar em conflitos de autoridade, existência de diversos poderes formais e informais em disputas insanas, exacerbação do mal-estar docente e fuga profissional dos melhores, forçando conflitos agitados entre alunos-pais-professores e, deste modo, conduz a uma degradação completa do ensino e educação. E que o Ministério teima em não querer ver, tal é a obsessão doentia.
Ensino: a destruição final (conclusão)
Interessa não esquecer, para que a arrogância de uns e a vã glória de outros não sejam recompensados, um ponto crucial em toda esta questão da análise da nova proposta de alteração do ECD, a saber: o lugar que toma a autoridade da competência do docente (e da sua legitimação), baseada em conhecimentos técnicos ou "poder do especialista" - aquilo que uns denominam por poder cognoscitivo [Simões, 1980] - e o modo como este poder, lido através da nova proposta em marcha pela ministra, é diluído, pela partilha na estrutura escolar e pela avaliação da prática profissional dos professores, através do chamado poder normativo, autoritativo e remunerativo, topos da legitimação de todo o poder. E antever de que modo isso tudo se conjuga para que se possa alguma vez pronunciar, com a maior das bondades, que se está presente uma mudança educacional visando uma Escola de qualidade, de rigor e moderna.
Estamos a falar, evidentemente, das bases do poder do professor, aqui tomadas de diferentes formas (do pessoal ao cognoscitivo, do normativo ao autoritativo) e que Formosinho Simões em tempos interpretou. Diga-se que existe uma vasta bibliografia sobre a matéria e que parece esquecida pela turbulência das decisões governativas. Faz tempo que o famoso "Relatório Braga da Cruz" (Análise Social, 1988, vol. XXIV), poderoso e exaustivo levantamento da situação do professor em Portugal, mandado fazer por Roberto Carneiro, assegurava que "os professores são agentes privilegiados da reforma que, por isso mesmo, deve começar por eles e deve ser levada a cabo com eles". De lá para cá instalou-se o vazio no comprometimento, motivação e colaboração dos professores na reforma educativa. O ministério da educação adoptou o autismo como prática existencial e qualquer regulamentação exarada nunca teve em conta o debate e a participação dos docentes em sede de escolas. Percebe-se, assim, a necessidade que tem a ministra Maria de Lurdes Rodrigues de insultar professores, sindicatos e de estes últimos zurzirem na ministra. Não podem existir uns sem os outros, porque são a face da mesma moeda. Por isso, a diversão comunicativa da senhora ministra é não só lamentável, como desnecessária.
Dissemos que se deveria questionar o modo como as "bases do poder do professor" são entendidas na nova proposta. Acontece que o discurso da Ministra, inebriado no estudo da organização escolar a partir da sociologia das organizações e das profissões, tem em conta somente a racionalidade e eficácia (esse conceito extraordinário) da organização escolar, desconhecendo que o que toma teoricamente é uma parte do saber das organizações e não a própria ciência em si. Não admira que nessa tentativa (organizacional) de determinar o tipo de cooperação entre os intervenientes escolares, em que forçosamente estará presente a autonomia de decisões e onde deve ser assumido divergências de interesses, esteja sempre ausente a análise das estruturas e das relações de poder. E quando é assim, subsiste a tentação de começar do zero, fazendo-se "tábua rasa" dos conhecimentos e competências, laboriosamente adquiridos pelos profissionais [José Matias Alves, 2006]. E que é bem evidente na proposta. Assim, quer seja pelo fim da carreira única (sem fundamentação teórica pertinente que se notasse) e a instituição de diferenciações profissionais, sem um mecanismo credível de avaliação do mérito (até porque a este está reservado um sistema de cotas de matriz economicista); quer pela assumpção de uma avaliação anual do desempenho, baseado na mais burocrática das modalidades e na mais doce confusão dos interesses; quer pelo aumento da componente lectiva (coisa inacreditável em educação) e da não-lectiva, transformando o docente num proletário do eduquês, pelo que deixará de estudar e investigar conteúdos científicos (coisa maldita em eduquês) ou pedagógicos; quer pela desvalorização remunerativa agora proposta (tudo é considerado horas não-lectivas e, como tal, não pagas) que imobilizará definitivamente os docentes nas funções a desempenhar; quer pela introdução na avaliação do desempenho dos docentes da figura dos pais, tornando-a de ordem meramente normativa (aqui entendida na avaliação da função de socialização. Coisa que "guru" da politica educativa José Manuel Fernandes, por ignorância, desconhece) e não de teor cognoscitivo; por tudo isso em conjunto estão definitivamente alteradas as bases do poder do professor, desvalorizando-se a profissão pela natureza omnipotente do poder normativo, autoritativo e remunerativo sobre critérios de natureza científica e técnica. Se pensarmos, como nos diz J. F. Simões, que "a profissão docente é das raras que tem por objectivo transmitir a própria base do seu poder", isto é, conhecimentos que outro não tem, então é evidente que o ensino bateu no fundo. E a inquietação, por parte de gente séria, ganha todo o sentido. Sem surpresas!

sábado, 10 de junho de 2006

CARTA ABERTA...

...AOS DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Indignação, repúdio, revolta, desmotivação, desencanto, entre muitas outras, são palavras que transmitem o estado geral do corpo docente do Agrupamento de Escolas da Batalha. Medidas avulsas lançadas pelo Ministério da Educação, ao longo do presente ano lectivo, foram enegrecendo o trágico cenário que culmina com a actual proposta de alteração ao Estatuto da Carreira Docente, uma afronta à dignidade e ao profissionalismo de uma classe nunca antes tão ultrajada como agora. Trata-se de um momento histórico!
Concluem os actuais governantes que a Educação vai mal e nós, professores, temos consciência disso há muito tempo. Sabemos avaliar! Mas a nossa força é diminuta para mudar políticas educativas. A realidade que se tem vivido nas escolas tem tido ecos eufemísticos, como eufemísticas têm sido as sucessivas leis que procuram resolver os problemas que se agravam.
A escola tem sido, nos últimos tempos, a casa onde entram todos os problemas sociais e aos professores tem sido exigida colaboração na resolução desses problemas. Cada um de nós já experimentou ser psicólogo, assistente social, nutricionista, enfermeiro… e, em muitos casos, pais e mães. Não há notícia de que algum professor deste Agrupamento tenha negado ou procrastinado qualquer colaboração. O bem-estar dos alunos e o seu crescimento saudável é uma das nossas preocupações.
Porém, entendemos que ser professor não se limita a esta parte assistencial, de satisfação das necessidades básicas, de cariz horizontal; a profissão tem um desígnio mais elevado, situado num eixo vertical: cultivar o espírito, nobilitar a pessoa através do saber. Nós queremos ensinar os alunos e torná-los cidadãos informados, competentes e intervenientes activos. Ora é esta face da moeda que tem sido subvertida. A cultura do rigor, da exigência e do estudo, embora surja nos parágrafos introdutórios de toda a produção legislativa, dilui-se e acaba por desaparecer quando a lei se desdobra num articulado operacional pouco consentâneo com as metas preconizadas.
Se a voz do povo é divina, acreditemos na sabedoria popular quando diz que “cada macaco no seu galho”. Aos professores compete ensinar (sem eufemismos) e contribuir para a educação dos alunos, mas não se lhes exijam as responsabilidades que competem a outros agentes sociais, principalmente às famílias, nem se queira transformar os professores em burocratas, em animadores, em baby-sitters, em contínuos (eufemisticamente designados por auxiliares da acção educativa) e outras aberrações.
Dignifique-se a profissão docente, responsabilizem-se os professores por aquilo que devem ser responsabilizados e assumam-se os erros sem procurar nestes profissionais o bode expiatório de todos os fracassos que, como é evidente, devem ser assacados ao Ministério da Educação. Faça-se uma reflexão profunda e séria, sem demagogias, sobre as verdadeiras causas do estado ignóbil a que a Educação em Portugal chegou e contem com os professores como parceiros nesta imperiosa acção nacional.
No dia em que tal acontecer, os docentes estarão de novo motivados para preparar activamente o futuro dos jovens deste país. Até lá, cessem os comentários torpes e injustos, assim como as medidas insanas dirigidas a uma classe que, tal como todas as outras, tem bons e maus profissionais. Não se tome o todo pela parte e não se abra caminho a uma profissão que, a prazo, estará envelhecida e de difícil renovação.

Batalha, 7 de Junho 2006
Os signatários

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

Descontentamento

Transcrevo aqui o texto:«Porquê o descontentamento dos Professores?» de Isabel Cruz.
Atravessamos sem dúvida um dos momentos de maior contestação por parte dos profissionais da Educação. A opinião pública está conquistada! É voz corrente que os professores não querem trabalhar. Esta é sem dúvida uma falsa questão. Não há sociedade que se desenvolva de costas viradas para os principais interlocutores da formação dos seus jovens - os professores. Já lá vai o tempo em que os professores eram valorizados pela sociedade. Assistimos hoje a um forte movimento de contestação que mais não é que um conflito de papéis. Há uma crise de imagem do professor. É assim fundamental que se defina qual o papel do professor no contexto social dos dias de hoje. No passado recente o professor era alguém que detinha o saber e o saber fazer e esta mais valia permitia-lhe, dentro da sua especialidade do saber, desenvolver competências nos alunos, ajudando-os a aprender a aprender. Não estamos a falar de professores generalistas, mas especialistas num determinado ramo do saber. E assim temos os professores das várias disciplinas curriculares, tal como está previsto no concurso de professores - cada um só pode candidatar-se a leccionar a disciplina para a qual possui uma formação académica específica. Foi assim no passado e é no presente. O que mudou afinal? Qual a razão de tanta contestação por parte dos docentes? É importante que se saiba que ao professor, além de se lhe pedir que seja um especialista da disciplina que lecciona e ensine essa disciplina hoje pede-se-lhe que seja um "entertainer", um animador social. Pede-se ao professor que, tal como acontece nos jardins de infância, se ocupe e guarde os jovens quando estes não têm uma aula. Não importa o que ele faz, como faz, se resulta ou não resulta! O importante é que passe para a opinião pública que os jovens não têm furos nas escolas. Estão sempre ocupados. Bem ou mal, mas estão ocupados. Não importa que essa ocupação resulte num boicote sucessivo às aulas curriculares, pois os alunos ficam revoltados por estarem a ser "guardados" por um professor que não é o seu professor e como não são "estúpidos" também sabem que o objectivo é a ocupação pela ocupação sem qualquer resultado no seu sucesso educativo. Antes pelo contrário, tira-se a possibilidade de os alunos livremente aproveitarem os tempos que estão sem aulas para, de forma autónoma, se dirigirem à biblioteca, fazerem as suas pesquisas, irem à sala de informática passar um texto a computador, etc. É um atentado à inteligência de professores e alunos. Mas, enfim, o importante é conquistar votos! Manter uma imagem positiva nas sondagens de opinião pública. Mas efectivamente o que temos vindo a assistir é a uma sobreposição da lógica política à lógica pedagógica. Basta ver um novo despacho normativo do Ministério da Educação sobre a avaliação dos alunos, que vem permitir que as escolas decidam passar de ano qualquer repetente com maus resultados. Podem fazê-lo se considerarem que se esgotaram todos os mecanismos de recuperação. É o sucesso pelo sucesso, uma verdadeira forma de escamotear o insucesso. Promover as estatísticas do sucesso. Não é de estranhar. Efectivamente, a Srª Ministra da Educação deve ser excelente em matéria de Gestão mas quanto à Educação, peço-lhe desculpa Senhora Ministra, seria fundamental a Sr.ª passar pelos bancos das escolas e conhecer a realidade! Gostaria de a ver entreter alunos indisciplinados a quem a escola nada diz, que frequentemente boicotam o trabalho dos seus professores, para ficarem serenos durante 90 minutos a praticarem actividades lúdicas com um professor que não é o seu, que não conhecem e que não sabem se o voltarão a ver na sua sala de aula! É que a lei da reguada felizmente já não existe nas escolas. Resta apenas a palavra pedagogia, que é uma arma que nem sempre resulta! Como pode resultar, quando os próprios pais dos alunos indisciplinados chegam à escola e pedem ao professor que os ajude pois não sabem mais o que fazer, pois os filhos não lhes obedecem? Se não obedecem aos pais, como vão obedecer aos professores? Estamos perante uma grave crise de valores e certamente o caminho não é prolongar a estadia dos alunos na escola. Há que preparar a casa, que construir respostas para as verdadeiras apetências e motivações dos alunos de hoje e depois, sim, venham os alunos que certamente será um prazer partilhar com eles algo que lhes diga alguma coisa. Como já é costume no nosso país, começa-se a construção da casa pelo telhado, mas quanto aos alicerces…Seria de facto fantástico termos os nossos alunos todo o dia na escola, não "presos", mas voluntariamente. Com actividades motivadoras que lhes permitissem de forma aprazível desenvolver as suas competências ao mesmo tempo que criassem uma vontade acrescida de permanecer na escola, para além das aulas curriculares, desenvolverem projectos partilhados com os seus professores. Mas não se fazem omoletas sem ovos! Efectivamente o investimento financeiro na educação nunca foi tão escasso. Não fora a agilidade dos conselhos executivos, muitas escolas estariam na ruptura. Não vivemos mais a geração do caderno e do livro escolar. Os nossos jovens pertencem a uma geração diferente. A escola tem muitos concorrentes. É fundamental que ela evolua e se aproxime dos interesses dos alunos. Qualquer pai sabe que o seu filho em casa passa horas em frente ao computador, à televisão. A Playstation é uma verdadeira apetência. Como tornar a escola competitiva? Certamente não é servir mais doses de "sopa amarga" que os alunos odeiam ingerir. É preciso munir as escolas de recursos e equipamentos que permitam atrair os alunos. Onde está o tão anunciado choque tecnológico? Sim, porque é nas escolas que se começa a caminhar para a investigação, para a experimentação. Onde estão os laboratórios equipados que permitam o aprender ciência através da experimentação? Todos sabemos que não estão! Não existem. Palavras, leva-as o vento, mas quem está no terreno tem de sobreviver com todas as lacunas do passado e do presente. Só que os nossos jovens não vivem no passado, vivem numa geração nova em que a teoria só tem sentido se for experienciada. De um modo geral, as escolas não evoluíram. Tirando uma ou duas salas de informática que apenas podem servir num determinado momento um grupo turma, nada mais de novo temos. Não vale a pena escamotear a verdade. A escola não se adequou à nova realidade. Os docentes não têm condições para o exercício de um serviço de qualidade. E agora digam-me: são os professores que não querem trabalhar? Não. Os professores não se negam a trabalhar. Trabalharam no passado e fazem-no no presente. Nunca foi preciso uma ministra determinar nada para muitos professores darem aulas extras aos seus alunos para os prepararem para os exames, nunca foi preciso legislarem para os professores prestarem atenção e darem apoio aos alunos com mais dificuldades de aprendizagem, nunca foi preciso uma ministra ordenar para que na escola se desenvolvessem projectos válidos! Nós profissionais da educação sempre soubemos dar respostas aos grandes desafios, nunca precisámos de alguém que pusesse em causa o nosso profissionalismo. Penso que nós, professores, devemos dar as mãos e tentar colmatar tanta incongruência, dando mais uma vez uma resposta positiva, mostrando que, apesar do grave erro da Ministra ao legislar as actividades lúdicas de substituição, terminar com a "palhaçada" que vamos vendo nas escolas e dar uma lição, apesar das contingências, de reinventar uma forma de estarmos com os nossos alunos, criando projectos subsidiados, porque não, através do mecenato local, e com as nossas práticas mostrarmos à ministra que mais importante que legislar é escutar, auscultar opiniões, partilhar, palavra que não consta no dicionário do actual governo. Certamente se fossemos ouvidos teríamos prestado uma vez mais um sério contributo para a resolução de muitos destes problemas. Nós temos consciência de que nem tudo está bem. É fundamental a mudança. Há que pensar como resolver o problema do insucesso e do abandono precoce da escola. Estamos todos de acordo. Aliás nós próprios fomos os primeiros a diagnosticar estas lacunas. Fizemos o diagnóstico mas não participámos na procura da “cura”. Não se entende porquê. Tanto mais que muitos dos projectos já estão em prática mas faltam apoios, subsídios e principalmente estruturas físicas. Temos que tomar consciência que nós, os professores, somos parte da solução e não o problema. O problema já todos conhecemos. É assim fundamental defendermos a nossa auto-imagem, num momento em que estamos a ser usados como "bodes expiatórios" de políticas educativas de insucesso.