sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Substituições

Transcrevo aqui o texto de um artigo de Florentino Beirão, publicado na secção Opinião da Reconquista desta semana:

Aulas de substituição
Uma escola desconfortável

Desde 1967 que dou aulas até hoje. Tirando os tempos da ditadura, nunca me senti tão desconfortável na escola. Poderá ser da idade? Talvez. Mas, da parte dos colegas mais novos, não sinto maior conforto. A alguns já ouvi afirmar, à boca cheia, algo que nunca me passou pela cabeça: Se pudesse, mudava de ramo.
O papel da escola na sociedade tem vindo a mudar vertiginosamente. Todos o sentem.
A sua principal função que era educar e instruir, hoje tem que ser repensado. Os resultados altíssimos do insucesso escolar e de abandono da escola aí estão a demonstrar a nossa apagada e vil tristeza. Os alunos que se arrastam, anos a fio, repetindo o mesmo, prejudicando-se a si e aos colegas, pelo clima por eles criado na turma, com cerca de 30 alunos. É um espinho cravado no sistema educativo. A escola não sabe o que fazer deles. Ninguém os despista para novas alternativas educativas profissionalizantes. Saem da escola com uma mão cheia de nada. Quanto aos programas, de reforma em reforma, continuam a ser altamente desmotivantes e enciclopédicos.
Os novos papéis a que os professores são chamados a desempenhar, com crianças cada vez mais irrequietas e agressivas, tornam a profissão cada vez mais desgastante.
As faltas dos professores amontoam-se atirando o ministério da Educação cá para fora números que dão que pensar. Aqui, aparecem as aulas de substituição. É necessário preencher este vazio. Falta um professor, avança outro. Qual é a turma? Qual é o ano a substituir? Saia um professor para colmatar a falta. Como se vai fazer esta imprevista substituição? A criatividade e as qualidades individuais, ou não, ditarão na altura o que fazer. Qualquer professor da escola, mesmo que nunca tenha visto pela frente tais alunos é convidado a desfilar na “passerelle”, sujeito ou não às inclemências da plateia.
As anedotas vindas a público, garanto que são completamente verdadeiras, aí estão para gáudio e descrédito da escola e dos professores. Os pais ficam perplexos. Julgavam que as aulas eram de aproveitamento pedagógico e foram transformadas, em grande parte, em espaços de café ou bar sem bebidas.
O ministério face a este clamor, apressa-se a substituir o nome destas e pensa que a questão ficou resolvida face à opinião pública. Do que se trata, verdadeiramente, é de uma medida que, podendo ser útil e necessária, já não somos os primeiros a fazê-lo, pelo atabalhoamento com que foi implementada, tornou-se um foco de tensão entre alunos e professores e entre professores e o ministério. Ninguém sai bem na fotografia. A greve da passada semana foi um grito de um insofismável mal-estar. Só vira a cara para o lado, quem queira persistir, teimosamente, fazendo fé em algo que, como está, só envenena o clima escolar. Tantas experiências, tantas reformas educativas e tanto dinheiro para termos o ensino com os resultados que temos! Senhores governantes, para bem das nossas crianças e jovens, mandem fazer uma avaliação isenta e profunda do sistema educativo e tomem medidas não avulsas, mas coerentes com explicações razoáveis aos professores e aos pais.
Talvez quem esteja na base, no terreno, nas dificuldades do dia a dia, tenha algo a dizer também sobre tudo isto. Num clima de profunda crispação e deriva que hoje afecta a escola, não vamos lá.
É verdade que necessitamos de pensar em conjunto nos novos papéis que a sociedade hoje exige à escola. Talvez sejam outros que não só socializar pelo ensino e pela instrução. A educação cívica do cidadão não pode ficar de fora. A ocupação dos tempos livres é hoje um grande desafio. Talvez mesmo um imperativo dado que os pais ocupados ou desempregados, com problemas em casa, necessitem deste apoio. A integração correcta dos filhos dos emigrantes na escola e na sociedade não se poderá descurar na escola. Os filhos de famílias com dificuldades merecem uma atenção. Mas se há novos papéis deverá haver também novas competências com novos agentes educativos diversificados. O bem das nossas crianças e jovens assim o exigem.

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