quarta-feira, 21 de junho de 2006

Trabalhos forçados

por Eduardo Prado Coelho
O fio do horizonte
Há qualquer coisa que não está a funcionar bem no Ministério da educação. Existe uma determinação em abstracto do que se deve fazer, mas uma compreensão muito escassa da realidade concreta. O que se passa com o ensino do Português e a aprendizagem dos textos literário é escandaloso. Onde deveria haver sensibilidade, finura e inteligência na compreensão da literatura, há apenas testes de resposta múltipla completamente absurdos. Assim não há literatura que resista. Há tempos, dei o exemplo da regulamentação por minutos e distâncias de determinadas provas. O ministério respondeu-me que se baseavam na mais actualizada bibliografia e que tinham tido reacções entusiásticas perante tão inovadoras medidas. Não me convenceram minimamente. Trata-se de dispositivos ridículos e hilariantes, que provocam o mais elementar bom senso.
O problema reside em considerar os professores como meros funcionários públicos e colocá-los na escola em sumária situação de bombeiros prontos para ocorrer à sineta de alarme. Mas a multiplicação de reuniões sobre tudo e mais alguma coisa não permite que o professor prossiga na sua formação científica. Quando poderá ler, quando poderá trabalhar, quando poderá actualizar-se? Não é certamente nas escolas que existem condições para isso. Embora na faculdade eu tivesse um gabinete, sempre partilhado com mais quatro ou cinco pessoas, nunca consegui ler mais do que uma página seguida.
Não existem condições de concentração. Pelo caminho que as coisas estão a tomar, assistiremos a uma barbarização dos professores cada vez mais desmotivados, cuja única obsessão passa a ser defenderem-se dos insultos e dos inqualificáveis palavrões que ouvem à sua volta. A escola transforma-se num espaço de batalha campal, com o apoio da demagogia dos paizinhos, que acham sempre que os seus filhos são angelicais cabeças louras. E com a cumplicidade dos pedagogos do ministério.Quando precisaríamos como de pão para a boca de um ensino sólido, estamos a criar uma escola tonta e insensata. Neste benemérita tarefa tem-se destacado o secretário de Estado Valter Lemos. É certo que a personagem se diz e desdiz, avança e volta atrás, com a maior das facilidades. Mas o caminho para onde parece querer avançar é o de uma hostilização e incompreensão sistemática da classe dos professores. Isto prejudica o país, e prejudica o Governo, com um primeiro-ministro determinado e competente, mas que não pode estar atento a todos os pormenores. E prejudica o PS, mas não sei se isto o preocupa.
Vem agora dizer que o professor deve avisar previamente que vai faltar, o que no limite significa que eu prevejo com alguns dias de antecedência a dor de dentes ou a crise de fígado que vou ter. E que deve dar o plano da aula que poria em prática caso estivesse em condições. Donde, as matérias são totalmente independentes de quem as ensina, basta pegar no manual, e ala que se faz tarde. Começa a tornar-se urgente uma remodelação do Governo, mas isso é tema delicado a que voltarei mais tarde.

In Público (sublinhados de Amélia Pais)

4 comentários:

IC disse...

Já tinha lido o texto, o EPC parece ter finalmente corrigido algumas tendências anteriores para analisar a situação, era bom que continuasse a escrever sobre o assunto.
Bjinho.

Miguel Pinto disse...

Creio que o EPC esmoreceu... diz que volta mais tarde... ainda está dentro do prazo que definiu ;)

Haiku disse...

"A ideia é que estas escolas possam escolher os professores com o perfil adequado e que queiram leccionar nesse tipo de contexto, seleccionando-os por exemplo através de uma entrevista" Mas e os critérios? É sem critériOS? Mais uma vez sem transparência? Mais uma vez segundo o critériO de um "orgão" que em muitos casos está "zipado" numa única pessoa e cujos critérios não só nos são "camufladamente sonegados", como são ao sabor de humores, empatias, ... e, ainda por cima, este "tapa buracos" surge por incúria própria (Milú e seu(s)M.É.s) pois ao acabarem com as escolas dos TEIP (- Territórios Educativos de Intervenção Prioritária - onde os professores colocados e com "provas" dadas podiam continuar dando não só continuidade a um projecto mas ainda estabilidade do corpo docente e discente pelos laços, importantíssimos, criados) criaram/cavaram a sua/nossa "cova" que agora tentam tapar com o useiro e vezeiro Despacho atabalhoado, irreflectido e em cima do joelho que eu recuso dizer como muitos: "à portuguesa". Não, é "à moda da Milú" como há o "Bacalhau à Brás" ou as "Iscas com todos".

emn disse...

Há uns tempos queixei-me de familiares que em conversa comigo deram razão à Ministra... Foram-se informando e agora são eles que me enviam recortes dos jornais a dar-me razão... Esta acaba sempre por imperar...
EPC, depois de umas tiradas infelizes, deve tb ter sido informado...