sábado, 22 de julho de 2006

Pessoas

por São José Almeida

(….)

2. A ministra da Educação é uma esperta e os portugueses são todos burros, em particular os professores, os alunos e os pais destes. Não há problema nenhum com os exames de 11º e 12º ano. É normalíssimo os alunos desatarem a chumbar, de repente, numa disciplina. É normalíssimo fazer exames só sobre dez por cento da matéria (como aconteceu em História). É normalíssimo os alunos baixarem abruptamente médias. É normalíssimo repetir exames a umas disciplinas e não a outras com base em critérios aleatórios e do tipo "eu acho que"... É normalíssimo pôr em risco o futuro dos actuais alunos e comprometer a sua entrada na universidade. É normalíssimo o Ministério da Educação enganar-se nos dados que disponibiliza ao longo de oito meses na Internet e que, por estarem errados adulteraram uma cadeia de decisões, opções e análises quer do próprio ministério, quer dos alunos, quer da sociedade em geral. É normalíssimo o ministério emitir directivas com base em leis que ainda estão em discussão pública e ninguém sabe se algum dia serão aprovadas pelo Parlamento e com que conteúdos. É normalíssimo a ministra da Educação achar que pode contratar professores escola a escola sem cobertura legal. É normalíssimo a ministra da Educação achar que pode alterar por decreto governamental leis da Assembleia da República em matérias da competência exclusiva da Assembleia da República. Tudo isto é normalíssimo e quem questiona ou é um professor calão, como o são todos os professores, ou é um aluno vigarista, a querer arranjar forma de ter boa nota sem ter estudado, ou é uma mãe ou um pai oportunistas, desejosos de ver a sua menina ou menino favorecidos e metidos na universidade. Tudo o que se passa com a actual ministra da Educação é normalíssimo, portanto. E não há nenhum erro, nem nenhum problema com os exames deste ano, como a própria ministra fez questão de explicar, no Parlamento, aos outros burros desta história, os deputados, que insistem em que sejam tiradas as devidas ilações políticas do imbróglio dos exames.
Num Estado de direito democrático com uma sociedade civil autónoma e madura, o que seria normal, era os lesados, as associações de pais, as associações de alunos e as associações de professores avançarem com acções em tribunal, contra o Estado, por discriminação e por coacção psicológica sobre os alunos. Porque é isso que está em causa. Por um lado, os alunos foram tratados de forma desigual, o que é antidemocrático e inconstitucional. Por outro lado, o clima de pressão psicológica que afecta, actualmente, os alunos, para mais num momento decisivo para o seu futuro, como é o dos exames que determinam as médias de acesso à universidade, é um perfeito caso de coacção e intimidação psicológica.
Resta ver se alguém tem consciência cívica e determinação para o fazer, num país em que a falta de pudor e de respeito pelas pessoas chega ao ponto de a ministra da Educação se manter em funções, no alto da sua arrogância e colada à cadeira, como araldite.


Público de 22.07.06

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