Irrelevância? Só se for para eles...
Denunciante quer Sócrates arguido
Nuno Miguel Maia
O advogado José Maria Martins, que deu origem ao processo sobre a hipotética falsificação de documento na licenciatura em Engenharia Civil de José Sócrates, solicitou agora a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de declarar nulo o despacho de arquivamento do caso. De acordo com o requerimento, consultado pelo JN, em causa está o facto de o actual primeiro-ministro não ter sido constituído arguido e interrogado - como os indícios impunham - por alegadas irregularidades na forma de obtenção da licenciatura, nem por suspeita de ter utilizado indevidamente o título de engenheiro civil - uma vez que o curso da Universidade Independente (UI) confere o grau de licenciado, mas não está acreditado pela Ordem dos Engenheiros. A argumentação para o arquivamento, decidido por Cândida Almeida, procuradora-geral adjunta e directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, centrou-se na constatação de que Sócrates não foi alvo de "qualquer tratamento de favor" em detrimento dos restantes alunos. Todos, afinal, acabaram por beneficiar da "anarquia", do "ambiente de facilitismo", do "fraco grau de exigência e falta de rigor pedagógico" da UI. Neste contexto, para o Ministério Público, as incoerências e contradições constantes nos diplomas - entre os quais a data de uma segunda via de diploma entregue em 2000 na Câmara Municipal da Covilhã, com a data inscrita de Agosto de 1996, apesar de o documento possuir números de telefone iniciados pelo prefixo "21", não existente nessa data - são erros e incorrecções atribuíveis à universidade, aos quais serão alheios o político e demais estudantes.
A par de Sócrates, o advogado que apresentou a denúncia entende que também o ex-reitor daquela universidade privada, Luís Arouca, e o professor de Sócrates, António Morais, deveriam ter sido formalmente interrogados como suspeitos. Para José Maria Martins - advogado que ficou conhecido como defensor de Bibi no processo Casa Pia - além de suspeitas de falsificação de documentos, sob a forma intelectual, haverá ainda indícios de tráfico de influências . O advogado refere-se ao facto de Luís Arouca só ter sido nomeado formalmente reitor da Universidade em 1996, quando o PS foi para o Governo. Antes dessa data, desde 1993, Arouca desempenhava, efectivamente, a função de reitor. Só que, face à recusa do Governo PSD e do ministro Couto dos Santos em reconhecê-lo como tal - devido a anteriores problemas na Universidade Autónoma de Lisboa -, formalmente o cargo foi atribuído a Pamplona Corte-Real e, depois, a Ernesto Costa.
Datas não condizem
Para o denunciante, os indícios de crime de falsificação por parte de José Sócrates e do alegado tratamento de favor começam no pedido de equivalências apresentado em 1995. Nessa carta, enviada em data não especificada, Sócrates declara pretender terminar a licenciatura na UI e, por isso, pede equivalências a cadeiras já efectuadas no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra. Solicita ainda equivalências a disciplinas feitas no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), mas diz que só poderá indicar as mesmas em Setembro, "pelo facto de algumas notas ainda não estarem lançadas".
Acontece que Sócrates só viria a obter aprovação em quatro das referidas cadeiras no ISEL durante Setembro e Outubro (dia 31 foi a última). Mas, apesar disso, a 12 de Setembro (de 1995) anterior, já tinha nas mãos, enviado pela UI, o plano das disciplinas que teria de fazer para obter o grau de licenciado. O documento estava assinado pelo presidente do Conselho Científico, que só passou a existir legalmente a partir de 24 de Julho de 1997.
Apesar destas discrepâncias, o Ministério Público concluiu pela sua "irrelevância criminal", uma vez que à data da obtenção da licenciatura na UI, Sócrates já tinha efectuado todas as disciplinas do ISEL das quais teve equivalências. Martins não se conforma com o argumento. "Nem sequer tinha feito exames das disciplinas no ISEL quando pediu a equivalência. Logo quando entregou o pedido de equivalências [Sócrates] mentiu, porque disse que as notas ainda não tinham sido lançadas e que só em Setembro (de 1995) teria o certificado".
Para defender a anulação do arquivamento, o advogado critica o raciocínio do despacho final "(...)A posição não é mais do que a alegação de tantos condutores multados que dizem que se o polícia não multou o carro ali ao lado não pode multar o dele! Assentando tudo em ilegalidade!".
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