quarta-feira, 11 de março de 2009

VOCÊ TEM PROVAS DO QUE ESTÁ PARA AÍ A DIZER?

por João Miguel Tavares no DN

A minha caixa de correio electrónico teve uma semana atarefada. Há oito dias eu defendi aqui que José Sócrates carecia de moral para andar a pregar a decência na política portuguesa, e, de caminho, apelidava a sua licenciatura de "manhosa" e os seus projectos na Guarda de "duvidosos". Muitos leitores indignaram-se com tais adjectivos e contrapuseram invariavelmente o mesmo argumento: onde estão as minhas "provas das supostas acusações"?
Vale a pena discutir este argumento, que de certa forma é uma extensão daquele que Sócrates utilizou na abertura do congresso: se o povo me elegeu e a justiça não me acusou, quem são os jornalistas para andarem a engendrar "campanhas negras"? Ora, há aqui uma perigosa confusão entre aquilo que é o plano da justiça, aquilo que são responsabilidades políticas e aquilo que é o papel dos jornais. Levado ao extremo, este raciocínio impediria que se criticasse publicamente quem quer que fosse, a não ser que houvesse uma condenação prévia dos tribunais (única instância capaz de avaliar a veracidade de tais provas). Caros leitores indignados: vocês não iam querer viver nesse mundo.
Os jornais têm de ser credíveis, verdadeiros, justos e equilibrados, mas não têm de apresentar provas, como se fossem uma extensão do Ministério Público. Eu não tenho dentro de mim um inspector da PJ para saber se Sócrates aldrabou a sua licenciatura, os projectos da Guarda ou a escritura do apartamento Heron Castilho. Basta-me ter lido as notícias que foram publicadas e as justificações do primeiro-ministro. O "manhoso" e o "duvidoso" nascem daí - da diferença, que me parece insanável, entre o que foi publicado e o que foi justificado. A comunicação social é um contrapeso do sistema democrático, que pressupõe respostas às questões que levanta. Ora, sobre qualquer um desses casos, só o gabinete do primeiro-ministro e, quando muito, a sua mãezinha podem considerar as respostas dadas como sendo satisfatórias. Porque não são.
O meu ponto é este: de uma coisa, José Sócrates é culpado até à ponta dos cabelos - da forma como nos tem querido convencer de que tudo isto é uma maquinação para o derrubar. Essa estratégia substituiu sempre a necessidade de dar explicações, e no entanto, todas aquelas suspeitas, da licenciatura ao Freeport, são inteiramente legítimas. Daí ser inadmissível que Sócrates negue essa legitimidade, por mera estratégia pessoal. É a futebolização da política: a culpa é sempre do árbitro, há sempre uma cabala por trás de tudo o que acontece. Ter o primeiro-ministro de Portugal a defender diariamente esta tese é uma punhalada na nossa democracia. Quem não vê isto, não vê coisa nenhuma.

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