domingo, 5 de abril de 2009

Decoro...

por Alberto Gonçalves
O deputado pediu a palavra, ergueu-se da cadeira e declarou: "Os portugueses não podem confiar num primeiro-ministro que uma vez diz umas coisas e outra vez diz outras. (…) A conclusão a que chegamos é que o senhor não tem jeito para isto. (…) Mas o sr. primeiro-ministro não se vai daqui embora sem falar num último tema. (…) É o caso de um ministro do seu governo que fez uma pressão ilegítima junto de uma estação privada e que conduziu à eliminação de uma voz incómoda para o seu governo. O sr. primeiro-ministro desculpar-me-á, mas quero dizer-lhe com clareza: esse episódio é indigno de um governo democrático, e é um episódio inaceitável. E é uma nódoa que o vai perseguir, porque é uma nódoa que não vai ser apagada facilmente, porque é uma nódoa que fez Portugal regressar aos tempos em que havia condicionamento da liberdade de expressão. E peço-lhe, sr. primeiro-ministro, que resista à tentação do controle da comunicação social. Não vá por aí porque nós cá estaremos para evitar essas tentações."
A data era 14 de Outubro de 2004, dois meses antes de o presidente da República dissolver o Parlamento que aqui serve de cenário. O deputado chamava-se José Sócrates Pinto de Sousa e o primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. A gravação do discurso está na Internet e não me canso de a ver e de me rir ao vê-la. Mas, como dizia o outro, rio para não chorar. Em quatro anos e meio, a nódoa transformou-se em derrame petrolífero, as tentações tornaram-se irresistíveis e não decerto haverá regresso ao tempo em que todos fomos assim ingénuos. Todos, excepto aquele que já então tinha verdadeiro jeito para "isto", embora as ameaças de processos judiciais e, vá lá, algum decoro me impeçam de dizer o que "isto" é.
A vermelho estão os tiques verbais do senhor deputado.

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