quinta-feira, 8 de junho de 2006

AGARRA, QUE É PROFESSOR !

José Vitorino Guerra
in Jornal de Leiria,8 de junho de 2006

A 1ª República santificou o professor em nome do progresso e da liberdade, contra o analfabetismo reinante. Salazar procurou transformar os professores em arautos da propaganda do Estado Novo.

A actual dirigente do Ministério da Educação pretende retirar dignidade e autonomia à função docente.


Desde o século XIX, os governos imaginam o país através de uma qualquer reforma educativa, eventualmente, decalcada do estrangeiro. Nas últimas décadas sempre em nome dos bons princípios, pedagogias aberrantes, modismos culturais, reformas curriculares para todos os gostos e políticas educativas sem continuidade, muitas vezes contraditórias, deixaram o sistema educativo desprestigiado. Minaram, também, a disciplina e a autoridade e as competências do professor. O conformismo, o desencanto cresceram entre os docentes. Contudo, a maioria soube resistir em nome do respeito pelos alunos.

É bom que se diga e repita que, no geral, os professores respeitam os alunos e preocupam-se com o com o seu sucesso. Por outro lado, os inventores das coisas bizarras e pedantes, que por aí andam disfarçadas de cardápio pedagógico e educativo, costumam entrincheirar-se no ministério da Educação e em grupos de pressão anexos.

Acusar os professores das escolas públicas de não se preocuparem com a qualidade do ensino e o êxito dos alunos visa, sobretudo, ilibar os responsáveis políticos e os teóricos de serviço do fracasso das suas políticas e do colapso financeiro do sistema.

A escola não consegue compensar todas as carências de uma sociedade injusta, mergulhada numa profunda crise de identidade e cada vez mais conflitual, nem tem aos seu dispor os meios para isso. Muito fazem os professores que acompanham os alunos, dentro e sala de aula, que os apoiam, acarinham e se vêem de forma crescente confrontados com a impotência dos seus recursos.

Os alunos são companheiros de jornada e, frequente­mente, amigos que se fazem para a vida. É perante eles que o professor responde com saber, rigor, liderança e capacidade de diálogo, se quiser ter credibilidade. É, sobre­tudo, pelo que faz na sala de aula e pelos saberes que reve­la que o professor deve ser avaliado.

Os professores têm de ser encarados como parte da solu­ção dos problemas do país e parceiros de uma estratégia para o desenvolvimento. Um responsável político deve saber resistir à tentação da demagogia e do populismo.

A actual ofensiva política promovida pelo Ministério da Educação pretende criar aos olhos da opinião pública um retrato caricatural dos professores e da escola públi­ca e, assim, preparar o terreno para a execução dos seus objectivos. Em contraponto, promove-se a imagem do alu­no, naturalmente bom, sequioso de aprender, se a escola fosse ainda mais facilitadora, e a de um ministério pana­ceia que vai, finalmente, meter os docentes na ordem.

É neste contexto que surgem as propostas de alteração ao Estatuto da Carreira Docente. O modelo de avaliação proposto pretende garrotar a progressão na carreira, reti­rar direitos e promover o mérito por despacho político­ administrativo. É obsessivamente burocrático e gerador de profundas injustiças. Naturalmente, o colete-de-for­ças vem embrulhado na vulgata pedagógica dominante e transborda de piedosas intenções.


Consagra-se, ainda, em definitivo, o estereótipo do pro­fessor animador sócio-cultural e submete-se a "activida­de lectiva do docente" à vontade dos pais. As propostas de alteração ao Estatuto possuem todas as potencialida­des para deteriorar o ambiente de trabalho na escola e criar tensões desnecessárias com a comunidade. O resul­tado final não será feliz. A qualidade do ensino público continuará a baixar. Os danos provocados irão fazer-se sentir muito para além do tempo de duração de uma equi­pa ministerial sem sensibilidade política, nem visão pros­pectiva .

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