sábado, 17 de junho de 2006

António Nóvoa

Um resumo, da amiga Soledade, do discurso de António Nóvoa, na Assembleia da República, em 22 de Maio de 2006, durante o Debate Nacional sobre Educação. A ler este seu post com uma série de links, entre os quais este texto integral, que ajuda à reflexão...

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Durante décadas e décadas e décadas Portugal foi o país da Europa que menos investiu em educação. Mesmo depois de Abril, estivemos sempre abaixo da média europeia. Recentemente, entre 1997/1998 e 2002/2003, num período curto de 4 ou 5 anos, fizemos um esforço um pouco maior. Um indicador, apenas um – a despesa pública em educação estimada em percentagem do PIB – subiu acima da média europeia ( o que não espanta tendo em conta que o nosso PIB é muito baixo!) e logo se generalizou a ideia de que estávamos a gastar de mais.
Não se consultou a página anterior dos mesmos relatórios (aí se verificando que a despesa média por aluno continua a ser das mais baixas da Europa ) ou a página seguinte (aí se constatando que o total da despesa em educação, e não apenas da "despesa pública", estimada em percentagem do PIB não ultrapassa a média europeia ). Publicou-se apenas, e repetidamente, a mesma página com o objectivo de criar um ambiente social desfavorável ao investimento público em educação.
(...)

Ao longo do século XX, fomos atribuindo cada vez mais missões à escola e esta deixou-se inebriar por solicitações que, aparentemente, a dignificavam na sua missão. Não tenho tempo para descrever este processo a que tenho chamado o transbordamento da escola. Mas deixo-vos um apontamento incompleto, escrito depois de uma leitura rápida dos últimos meses do Diário das Sessões desta Assembleia.

- Aqui se referiu o papel da Escola na educação ambiental e, em particular, no que diz respeito às questões do mar e da protecção das florestas;
- E referiu-se também o seu papel na protecção civil e na segurança, ensinando as crianças a lidarem com o risco e com situações de emergência;
- E referiu-se ainda o seu papel na preservação do património cultural, dos monumentos, das tradições e das culturas locais;
- Aqui se referiu o papel fundamental da Escola na educação para a saúde, nas suas múltiplas vertentes, desde a saúde oral até ao combate às epidemias e, em particular, à gripe das aves;
- E referiu-se também o seu papel na prevenção da toxicodependência e do tabagismo, bem como na promoção de comportamentos saudáveis;
- E referiu-se ainda o seu papel na educação alimentar e numa correcta aprendizagem de hábitos de consumo, aos mais diversos níveis;
- Aqui se referiu o papel da Escola na educação sexual, combatendo assim um dos dramas maiores da sociedade portuguesa, sobretudo nos meios mais pobres;
- E referiu-se também o seu papel na prevenção dos acidentes, através de uma cuidadosa educação rodoviária.
- E referiu-se ainda que a escola não pode alhear-se de um conjunto de "cuidados" a prestar às crianças e chamou-se a atenção para o seu papel no combate aos maus-tratos, aos abusos sexuais e à violência no seio da família.
- Aqui se referiu o papel da Escola na educação para a cidadania, na promoção dos valores, na prevenção da delinquência juvenil e na criação de ambientes sociais e familiares seguros;
- E referiu-se ainda a necessidade da Escola assegurar o "pleno desenvolvimento físico, intelectual, cívico e moral dos alunos".
- E – como não podia deixar de ser – aqui se referiu a importância das necessidades educativas especiais, aqui se insistiu na aprendizagem das novas tecnologias e na aquisição de "competências de empregabilidade", etc. etc. etc.
Tudo isto apenas nos últimos meses de debates nesta Câmara. E tudo isto é justo e acertado. E tudo isto merece ponderação. E nenhum de nós se atreveria a excluir uma única destas tarefas da lista de tarefas da Escola. Mas será que a ela pode fazer tudo isto, para além daquela que é a sua missão primordial? A minha resposta é não. A escola está esmagada, sufocada, por um excesso de missões.
Importa, pois, recentrá-la nas actividades especificamente escolares, o que obriga, por outro lado, ao reforço de um espaço público de educação, no qual as famílias, em primeiro lugar, mas também as empresas, as igrejas, as associações, os centros de saúde ou as autarquias, entre tantas outras entidades, assumam as suas próprias responsabilidades.
Eu sei que, em certos meios, esta evolução é difícil e a escola não pode abdicar da sua acção social. Mas não quero ver no meu país o que acontece noutros países: uma escola que é essencialmente um "centro social" nos meios mais pobres e uma outra centrada na aprendizagem nos meios mais favorecidos . Em nome da democratização estaríamos a tornar os frágeis ainda mais frágeis.
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Há quanto tempo repetimos, em Portugal e no resto do mundo, que os currículos e os programas são demasiado extensos? Mas todos os dias lá colocamos uma nova disciplina, um novo conteúdo programático, uma nova competência. E depois… os professores que resolvam o problema como puderem.
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No seu discurso de tomada de posse, o Presidente da República afirmou que a escola, mais do que ensinar, deve ensinar a aprender, acrescentando mesmo que mais decisivo ainda era "aprender a empreender" . Não é um dilema fácil de resolver, pois é preciso estabelecer prioridades e não basta dizer que tudo é importante. Estamos preparados para o enfrentar? Ou é mais fácil enviar tudo para dentro da Escola e, depois, culpar quem lá está pelo "desastre da educação"?
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Mas nada disto nos resolve o problema, cada vez mais agudo, dos alunos que não querem aprender, daqueles para quem a escola não tem sentido e que são causadores de grande parte das perturbações nas nossas escolas. (...) O grande desafio da pedagogia, dos melhores professores, é conquistar estes alunos para o esforço da aprendizagem, para o trabalho escolar.
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não há nada, absolutamente nada, que substitua um bom professor. O seu exemplo, a sua inspiração, acompanham-nos pela vida fora. Da existência de bons professores, e do seu prestígio, depende, e muito, o futuro das nossas escolas. (...)

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