Evasivas
TLEBS: as seis evasivas
Vasco Graça Moura
Luís Capucha, director-geral do Ministério da Educação, deu uma entrevista sobre a TLEBS [Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário] publicada no Público de 06.01.2007.
A novidade de monta é a de a generalização da terminologia a todo o ensino básico e secundário ter sido suspensa.
No entanto, pelo art. 4.º da Portaria n.º 1147/2005, de 8 de Novembro (do actual Governo), a aplicação da experiência pedagógica da TLEBS foi generalizada ao universo das escolas do ensino básico no corrente ano lectivo.
E, pelo art. 7.º do mesmo diploma mantêm-se em vigor os preceitos da Portaria 1488/2004 (que aprova a TLEBS) relativamente ao secundário.
Onde está a agora portaria que determina a suspensão? Se não existe, está-se, não perante um progresso na matéria, mas perante uma evasiva destinada a iludir a opinião pública...
Outra evasiva resulta desta eufemística passagem: "Provavelmente não teria feito sentido que o anterior Governo a tivesse aprovado." De acordo. Mas é preciso saber quem induziu o anterior Governo a fazê-lo. E só podem ter sido os serviços do Ministério. Os mesmos que também induziram este Governo a aprovar a Portaria 1147/2005, em plena concordância com o teor da TLEBS, o que continua sem fazer sentido… E continua sem se saber quem é que, no Ministério, patrocinou junto de um Governo a adopção da medida e, junto de outro, a sua manutenção e, agora, pelos vistos, a sua suspensão. Volto a perguntar: o Ministério faz esta tristérrima figura e não acontece nada aos serviços responsáveis por isso?
A terceira evasiva, porventura a mais delirante, está em se imputar à "forte componente de ensino de textos de literatura" o insucesso escolar e a iliteracia: pretende-se justificar a TLEBS como panaceia, em vez de se considerar que há uma desordenada componente de textos e autores organizada sem qualquer critério cultural ou pedagógico digno desse nome. Sem falar das omissões escandalosas…
A quarta evasiva está no expediente da revisão. Somos informados de que os profs. João Costa e Vítor Aguiar e Silva foram incumbidos da correcção das deficiências. Isto significa que o Ministério reconhece ter começado por forçar a aplicação de um instrumento que tem muitas deficiências (aliás, também se reconhece que "não há ainda formação de professores que seja passível de sustentar a introdução da TLEBS"). Ou seja, nos últimos dois anos, o Ministério tem andado a gozar com toda a gente, professores, alunos, responsáveis pela educação, cidadãos em geral!
Aguiar e Silva é uma das mais conceituadas e isentas figuras da nossa Universidade, não da área da Linguística, mas da área da Literatura. Não é de questionar, antes é de saudar a sua intervenção.
Mas João Costa só tomou posições públicas em defesa da TLEBS (Visão, de 16.11.2006; Público, de 15.11.2006). Considera que não houve nela a assunção de um modelo teórico específico (Visão), mas deixa entrever que há uma remissão para a gramática chomskyana (Público). Entende que a TLEBS não revoga os programas vigentes, mas ignora a Circular n.º 3/2005 do Ministério, que informa terem os termos adoptados sido "observados na elaboração dos Programas homologados de língua materna e de línguas estrangeiras na Revisão Curricular do Ensino Secundário", e a Circular n.º 14/2005 cujo ponto 2.1 diz que ela "não se sobrepõe aos programas vigentes, mas actualiza-os", isto é, interfere neles, alterando-os…
Na estrutura criada há um patente desequilíbrio quanto à presença de orientações científicas diferentes. O único linguista que dela faz parte acabará por se reconduzir à figura do juiz em causa própria. Impunha-se a presença de, pelo menos, um dos catedráticos altamente qualificados que deram a cara contra a TLEBS, apontando-lhe publicamente os vícios inumeráveis e os erros calamitosos (o que João Costa não fez, antes silenciou). Refiro-me evidentemente a João de Andrade Peres e Jorge Morais Barbosa.
A quinta evasiva está em se afirmar que o trabalho de correcção, "depois de concluído, vai ser debatido e só depois haverá homologação". Se é assim, mais uma razão para a suspensão da TLEBS ser decretada por portaria que dissipe de vez todas e quaisquer dúvidas.
A sexta evasiva respeita aos editores de materiais escolares. Não foram desmentidas as declarações de Vasco Teixeira, presidente da Porto Editora e da APEL, ao DN de 23.11.2006, segundo as quais o Ministério contactou os editores e induziu-os a seguirem as recomendações no sentido da generalização aos 3.º, 5.º e 7.º anos. Diz-se agora que "se as editoras fizeram manuais antes da revisão científica final, provavelmente haverá ajustamentos a fazer". O Ministério não pode escamotear a sua responsabilidade nos termos prenunciados por esta dúbia tomada de posição.
Infelizmente, tudo parece indicar que nem mesmo no tocante ao ensino da língua o Estado pode ser considerado uma pessoa de bem...
DN de 10.01.07
2 comentários:
Não, o Estado não é pessoa de bem!
Às vezes interrogo-me: os nossos ministros e respectivos secretários de estado são pessoas como nós e, como tal, devem estar imbuídos de um espírito de fazer o possível para melhorar o que pode ser melhorado. Só não consigo perceber é como, na área que nos diz mais directamente respeito, vejamos disparates em cima de disparates. Será mesmo só ignorância?
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