quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

Descontentamento

Transcrevo aqui o texto:«Porquê o descontentamento dos Professores?» de Isabel Cruz.
Atravessamos sem dúvida um dos momentos de maior contestação por parte dos profissionais da Educação. A opinião pública está conquistada! É voz corrente que os professores não querem trabalhar. Esta é sem dúvida uma falsa questão. Não há sociedade que se desenvolva de costas viradas para os principais interlocutores da formação dos seus jovens - os professores. Já lá vai o tempo em que os professores eram valorizados pela sociedade. Assistimos hoje a um forte movimento de contestação que mais não é que um conflito de papéis. Há uma crise de imagem do professor. É assim fundamental que se defina qual o papel do professor no contexto social dos dias de hoje. No passado recente o professor era alguém que detinha o saber e o saber fazer e esta mais valia permitia-lhe, dentro da sua especialidade do saber, desenvolver competências nos alunos, ajudando-os a aprender a aprender. Não estamos a falar de professores generalistas, mas especialistas num determinado ramo do saber. E assim temos os professores das várias disciplinas curriculares, tal como está previsto no concurso de professores - cada um só pode candidatar-se a leccionar a disciplina para a qual possui uma formação académica específica. Foi assim no passado e é no presente. O que mudou afinal? Qual a razão de tanta contestação por parte dos docentes? É importante que se saiba que ao professor, além de se lhe pedir que seja um especialista da disciplina que lecciona e ensine essa disciplina hoje pede-se-lhe que seja um "entertainer", um animador social. Pede-se ao professor que, tal como acontece nos jardins de infância, se ocupe e guarde os jovens quando estes não têm uma aula. Não importa o que ele faz, como faz, se resulta ou não resulta! O importante é que passe para a opinião pública que os jovens não têm furos nas escolas. Estão sempre ocupados. Bem ou mal, mas estão ocupados. Não importa que essa ocupação resulte num boicote sucessivo às aulas curriculares, pois os alunos ficam revoltados por estarem a ser "guardados" por um professor que não é o seu professor e como não são "estúpidos" também sabem que o objectivo é a ocupação pela ocupação sem qualquer resultado no seu sucesso educativo. Antes pelo contrário, tira-se a possibilidade de os alunos livremente aproveitarem os tempos que estão sem aulas para, de forma autónoma, se dirigirem à biblioteca, fazerem as suas pesquisas, irem à sala de informática passar um texto a computador, etc. É um atentado à inteligência de professores e alunos. Mas, enfim, o importante é conquistar votos! Manter uma imagem positiva nas sondagens de opinião pública. Mas efectivamente o que temos vindo a assistir é a uma sobreposição da lógica política à lógica pedagógica. Basta ver um novo despacho normativo do Ministério da Educação sobre a avaliação dos alunos, que vem permitir que as escolas decidam passar de ano qualquer repetente com maus resultados. Podem fazê-lo se considerarem que se esgotaram todos os mecanismos de recuperação. É o sucesso pelo sucesso, uma verdadeira forma de escamotear o insucesso. Promover as estatísticas do sucesso. Não é de estranhar. Efectivamente, a Srª Ministra da Educação deve ser excelente em matéria de Gestão mas quanto à Educação, peço-lhe desculpa Senhora Ministra, seria fundamental a Sr.ª passar pelos bancos das escolas e conhecer a realidade! Gostaria de a ver entreter alunos indisciplinados a quem a escola nada diz, que frequentemente boicotam o trabalho dos seus professores, para ficarem serenos durante 90 minutos a praticarem actividades lúdicas com um professor que não é o seu, que não conhecem e que não sabem se o voltarão a ver na sua sala de aula! É que a lei da reguada felizmente já não existe nas escolas. Resta apenas a palavra pedagogia, que é uma arma que nem sempre resulta! Como pode resultar, quando os próprios pais dos alunos indisciplinados chegam à escola e pedem ao professor que os ajude pois não sabem mais o que fazer, pois os filhos não lhes obedecem? Se não obedecem aos pais, como vão obedecer aos professores? Estamos perante uma grave crise de valores e certamente o caminho não é prolongar a estadia dos alunos na escola. Há que preparar a casa, que construir respostas para as verdadeiras apetências e motivações dos alunos de hoje e depois, sim, venham os alunos que certamente será um prazer partilhar com eles algo que lhes diga alguma coisa. Como já é costume no nosso país, começa-se a construção da casa pelo telhado, mas quanto aos alicerces…Seria de facto fantástico termos os nossos alunos todo o dia na escola, não "presos", mas voluntariamente. Com actividades motivadoras que lhes permitissem de forma aprazível desenvolver as suas competências ao mesmo tempo que criassem uma vontade acrescida de permanecer na escola, para além das aulas curriculares, desenvolverem projectos partilhados com os seus professores. Mas não se fazem omoletas sem ovos! Efectivamente o investimento financeiro na educação nunca foi tão escasso. Não fora a agilidade dos conselhos executivos, muitas escolas estariam na ruptura. Não vivemos mais a geração do caderno e do livro escolar. Os nossos jovens pertencem a uma geração diferente. A escola tem muitos concorrentes. É fundamental que ela evolua e se aproxime dos interesses dos alunos. Qualquer pai sabe que o seu filho em casa passa horas em frente ao computador, à televisão. A Playstation é uma verdadeira apetência. Como tornar a escola competitiva? Certamente não é servir mais doses de "sopa amarga" que os alunos odeiam ingerir. É preciso munir as escolas de recursos e equipamentos que permitam atrair os alunos. Onde está o tão anunciado choque tecnológico? Sim, porque é nas escolas que se começa a caminhar para a investigação, para a experimentação. Onde estão os laboratórios equipados que permitam o aprender ciência através da experimentação? Todos sabemos que não estão! Não existem. Palavras, leva-as o vento, mas quem está no terreno tem de sobreviver com todas as lacunas do passado e do presente. Só que os nossos jovens não vivem no passado, vivem numa geração nova em que a teoria só tem sentido se for experienciada. De um modo geral, as escolas não evoluíram. Tirando uma ou duas salas de informática que apenas podem servir num determinado momento um grupo turma, nada mais de novo temos. Não vale a pena escamotear a verdade. A escola não se adequou à nova realidade. Os docentes não têm condições para o exercício de um serviço de qualidade. E agora digam-me: são os professores que não querem trabalhar? Não. Os professores não se negam a trabalhar. Trabalharam no passado e fazem-no no presente. Nunca foi preciso uma ministra determinar nada para muitos professores darem aulas extras aos seus alunos para os prepararem para os exames, nunca foi preciso legislarem para os professores prestarem atenção e darem apoio aos alunos com mais dificuldades de aprendizagem, nunca foi preciso uma ministra ordenar para que na escola se desenvolvessem projectos válidos! Nós profissionais da educação sempre soubemos dar respostas aos grandes desafios, nunca precisámos de alguém que pusesse em causa o nosso profissionalismo. Penso que nós, professores, devemos dar as mãos e tentar colmatar tanta incongruência, dando mais uma vez uma resposta positiva, mostrando que, apesar do grave erro da Ministra ao legislar as actividades lúdicas de substituição, terminar com a "palhaçada" que vamos vendo nas escolas e dar uma lição, apesar das contingências, de reinventar uma forma de estarmos com os nossos alunos, criando projectos subsidiados, porque não, através do mecenato local, e com as nossas práticas mostrarmos à ministra que mais importante que legislar é escutar, auscultar opiniões, partilhar, palavra que não consta no dicionário do actual governo. Certamente se fossemos ouvidos teríamos prestado uma vez mais um sério contributo para a resolução de muitos destes problemas. Nós temos consciência de que nem tudo está bem. É fundamental a mudança. Há que pensar como resolver o problema do insucesso e do abandono precoce da escola. Estamos todos de acordo. Aliás nós próprios fomos os primeiros a diagnosticar estas lacunas. Fizemos o diagnóstico mas não participámos na procura da “cura”. Não se entende porquê. Tanto mais que muitos dos projectos já estão em prática mas faltam apoios, subsídios e principalmente estruturas físicas. Temos que tomar consciência que nós, os professores, somos parte da solução e não o problema. O problema já todos conhecemos. É assim fundamental defendermos a nossa auto-imagem, num momento em que estamos a ser usados como "bodes expiatórios" de políticas educativas de insucesso.

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