Perdidos
Um dia, aqui num desabafo sobre a indisciplina, referi o facto de desconhecer como os alunos se ‘perdem’. Basta olhar um bocadinho à volta e encontram-se exemplos:
Há uns dias atrás, ao chegar à noite à escola para iniciar as aulas, deparo-me com uma conversa entre uma colega de História, com 30 anos de serviço, que conversava acaloradamente com um dos meus (bons) alunos do secundário recorrente, homem feito de trinta e tal anos. Assunto: a colega queixava-se de um aluno de 7º, que no teste se tinha limitado a escrever frases sem nexo, depois de ela ter dado uma ficha formativa idêntica ao mesmo e, supostamente, os alunos a terem estudado à sua frente. O aluno em causa era filho da companheira deste meu aluno. Daí o seu desabafo. Se inicialmente o tom era de apenas inquirição, para ver se alguma coisa se passava com o miúdo, a seguir passou a ser já de zanga, por lhe parecer que todo o teste dele e do colega do lado eram puro e simples ‘gozo’. Ora, o que imediatamente argumentou o ‘padrasto’ (o meu aluno da noite) era que o garoto tinha tudo o que queria da mãe e do pai ausente. Disse que o rapazito no 1º período teve 7 negativas e o pai deu-lhe, no Natal, o computador que ambicionava. Devido ao divórcio dos pais, desde sempre havia a ‘compensação’ sistemática do menino, que conseguia tudo o que queria, apesar de nada fazer para o ganhar. Queixava-se ainda de não ter voto na matéria, dizendo também ele ter uma filha que nunca teve quaisquer problemas. O que ali via de completamente errado era uma criança a crescer com tudo, sem responsabilização e, pior, sempre desculpabilizado.
Não há ‘afecto’ de professor que funcione num caso destes. Não há medidas de recuperação, planos, papéis, nada que funcione. A escola, os professores, as matérias, para este tipo de alunos não têm qualquer significado. Porque tudo é fácil. E as próprias aulas são uma brincadeira. A noção de ‘trabalho’ e ‘esforço’ são conceitos totalmente desconhecidos. E o garoto está numa fase crucial de aprendizagem e consolidação da personalidade. Mas, neste caso específico, ou a mãe começa a ter noção de que o seu filho é uma criança perfeitamente normal e que há comportamentos que são social e moralmente incorrectos e, por isso, reprováveis, a quem tem de ‘exigir’ para poder ‘dar’, ou ele fará parte daqueles que se perdem completamente e ‘vagueiam’ pelas escolas sem delas tirarem qualquer proveito.
Já tive alunos assim. E em dois casos que ‘abandonaram’ a escola, para voltarem depois... e parecerem outras pessoas, completamente transformadas. Porque passaram pela experiência de ‘trabalhar’. Aprenderam a noção de ‘esforço’, à sua custa. No regresso, um, completamente indisciplinado antes, era um exemplo de bom comportamento para os demais. O outro, de quem eu dizia (e quanto me arrependo) que devia ter algum atraso, passou a ser um aluno de 4. Nem num caso, nem noutro, houve interferência dos professores, psicólogos ou pais. Foi um processo individual de crescimento, de contacto com a realidade, que não é efectivamente um ‘mar de rosas’.
Também ‘estudar’ não é um mar de rosas. Nada é na vida. Só passa a ser quando adquirimos noção do valor que tem ultrapassar o que ‘custa’ para termos a merecida ‘recompensa’ depois. (Parece-me que cada vez se ‘cresce’ mais devagar e mais tarde.)
Será que no caso apresentado acima, há alguma coisa que um professor possa fazer se não houver a consciencialização da mãe? E se a mãe não perceber nunca que o que está a fazer é errado?
Por isso digo, repito e volto a dizer: para além dos professores primários que dão as bases em termos de conhecimentos e as regras que ensinam o que é ‘estar’ numa sala de aula, há uma grande, enorme e decisiva responsabilidade dos pais. O professor, nestes casos, nada pode fazer, porque o aluno não ‘ouve’ nada do que se lhe diga, nem ‘vê’ nada do que se lhe apresente. Está ‘a leste do paraíso’.
Cada vez mais e por experiência pessoal de vida, por um lado, e profissional, por outro, me convenço disso.
Mas também há os ‘casos’ em que ninguém consegue fazer nada...
Relato outro episódio: conversas intermináveis com um aluno (de 11º ano) e respectivo pai, porque se descobriu que andava a fumar 'erva’. Cheguei-lhe bem ao coração, porque lhe falei ‘do coração’. E convenci-me que era capaz de o orientar... Só que, no momento em que me ouvia e se abria, tudo o que ‘prometia’ era efectivamente verdade. Mas.... a ‘vontade’ era tão pouca, que dez minutos depois, se calhar já nem se lembrava do que tinha conversado (efeitos nos consumidores habituais). Acabou por abandonar a escola (miúdo espertíssimo, com pais presentes e conscientes) e foi por muito maus caminhos. Nada sei dele, hoje.
3 comentários:
Relatas dois casos bem diferentes e (se calhar vou escandalizar com uma opinião que até nem é de facto fundamentada, apenas fruto de casos que conheci e bem) até acho que o facilitismo, proteccionismo etc. que parecem estar a alastrar pelos pais não é menos preocupante que a iniciação nas drogas (que das leves levam às outras). O problema da toxicodependência pode ser dramático, mas julgo que experiências de "erva" quase todos têm e são passageiras, se não são passageiras é porque o jovem não está bem e se for a tempo acompanhado/tratado por psicólogo/psicoterapeuta competente que ajude a ultrapassar o que não está bem com o jovem a droga não avança para a toxidependência. (Os sintomas de que não está bem revelam-se cedo, os pais é que não percebem e quando percebem é tarde para o jovem aceitar ajuda). Mas o facilitismo e a não exigência de nada terão remédio mais tarde?
Em suma, o que quero dizer é que um adolescente em risco precisa que tal se perceba bem cedo e se ajude (não quero dizer que o risco não seja muito preocupante e não possa vir a ser dramático), mas nos casos como o primeiro de que falas quem põe em risco a sua personalidade são os pais. Eu tenho um aluno bem esperto e todos os seus professores concordam que quem está a contrariar a nossa acção é a mãe, vai fazendo a escolaridade porque é esperto, mas a continuar assim no 9º ano começará a "espalhar-se" e a total ausência de trabalho e de responsabilização quase pela certa lhe dará logo um "chumbo" no 10º.
Que a experiência do trabalho lhes fará passar a indisciplina e pouca responsabilidade própria dos adolescentes, é verdade, mas também para esses tem que haver firmeza conjugada família-escola para que não percam tempo aprendendo só mais tarde por si.
Desculpa este arrazoado, mas sinto que está a haver uma tolerância/permissividade/proteccionismo a alastarrem demais, a tornar quase maioria o que dantes eram apenas casos.
P.S. Já agora, sobre a tua visita, ora deixa-me esclarecer, não andem por aí a Milu ou o Valterzinho e esses é que ainda me mandam "matar" se me sabem com fim de semana de 3 dias, que ter dia livre com a nova componente não lectiva faz os outros tão cheios que a componente não lectiva "a sério" - do trabalho individual - tem que ser distribuída pelo tal fim de semana prolongado, para mais com os miúdos a precisarem cada vez mais que inventemos fichas que os prendam e à concentração, problemas para aprenderem a... ler, etc. - sim, até ando a dizer, e sem brincar nem os culpar, que está a haver um problema com a atenção à informação escrita que devia ser estudado, eles até lêem melhor escrita simbólica do que português corrente, acredita.
Ai... desculpa, desculpa este estendal!
:)))))
tb desde as 17 de hoje que estou na componente do trabalho individual.... que se prolonga por TODO o fim de semana.... dsede o início do ano e apesar das promessas que fiz a mim própria de apenas trabalhar as 35...
Só consegui cumprir essa minha promessa 2 semanas...
Qt aos pais permissivos e/ou ausentes - são o maior perigo... deixam-nos crescer sem saber respeitar as regras sociais, sem perceber onde acaba a liberdade deles e começa a dos outros... sem rei nem lei... Podem até não descambar para maus caminhos, mas nunca andarão por linhas regradas e serão dos que não sabem superar o sofrimento ou a desilusão e procuram sempre o conforto fora... (no que quer que seja) em vez de ser em si próprios...
Hoje estou mt verborreica! Fartei-me de comentar em todo o lado, o que não me é nada próprio... Chhh! Por hoje calo-me.
Continuo a pensar que a formação começa em casa e, como tudo na vida, sem ovos não se fazem omoletes...
Postar um comentário